A matéria abordada por Cristiane Schmitt-Braitling traz uma reflexão importante sobre um dos aspectos cruciais dos contratos internacionais: a cláusula de eleição de foro. A escolha do foro, ou seja, a determinação do local competente para resolver eventuais litígios, é um tema que envolve questões jurídicas complexas, que requerem uma avaliação minuciosa das partes envolvidas e da legislação pertinente.
Importância da Cláusula de Foro
Em um cenário de crescente globalização, com transações comerciais e relações contratuais ultrapassando fronteiras, a cláusula de eleição de foro garante previsibilidade e segurança jurídica. Ela permite que as partes envolvidas definam, desde o início, onde e como eventuais disputas serão resolvidas, conferindo maior eficiência na resolução de litígios. Esse ponto é fundamental para evitar surpresas desagradáveis em caso de inadimplementos ou desacordos, uma vez que ambas as partes têm clareza sobre o local onde eventuais demandas serão julgadas.
No entanto, como a autora bem destaca, a escolha do foro não se confunde com a definição da legislação aplicável. Embora as partes possam escolher a jurisdição para a resolução de conflitos, a legislação que regerá os direitos e obrigações do contrato deve ser analisada separadamente, já que pode ser distinta do foro escolhido. Essa distinção é essencial para a compreensão dos aspectos processuais e substanciais do contrato.
Liberdade e Limitações na Escolha do Foro
O artigo aponta que, em regra, as partes têm liberdade para escolher o foro, inclusive um foro estrangeiro, desde que não infrinjam normas de competência absoluta da jurisdição brasileira. O Código de Processo Civil (CPC) Brasileiro, em seu artigo 22, prevê que, em contratos internacionais, é possível a eleição de foro estrangeiro, o que proporciona flexibilidade e alinhamento com as necessidades das partes. No entanto, existem restrições importantes, como a obrigatoriedade da jurisdição brasileira em casos de compra e venda de imóveis no Brasil e em relações de consumo, caso o consumidor esteja domiciliado no país.
Esse equilíbrio entre liberdade e limitação torna a escolha do foro uma decisão estratégica, que requer uma análise cuidadosa das possíveis implicações jurídicas. A cláusula de eleição de foro não pode ser abusiva, como ilustrado pelo entendimento do STJ, que considera nula a cláusula que desrespeite o direito do consumidor de recorrer ao foro de seu domicílio.
Eficácia das Cláusulas de Foro no Brasil e no Exterior
Outro ponto relevante abordado no artigo é a eficácia das cláusulas de foro em nível internacional. O reconhecimento e a execução de decisões judiciais proferidas em tribunais estrangeiros são regulados por uma série de tratados internacionais, como a Convenção de Haia e o Regulamento (UE) 1215/2012, que asseguram a validade dessas cláusulas, desde que respeitem as legislações locais. A autora também cita a jurisprudência brasileira que reforça a obrigatoriedade da análise das especificidades de cada situação, com base em tratados e convenções internacionais.
O reconhecimento de sentenças estrangeiras no Brasil, por exemplo, é um processo que depende de critérios específicos, como a compatibilidade com a ordem pública brasileira. Em outras palavras, decisões proferidas em tribunais estrangeiros podem não ser reconhecidas se violarem princípios fundamentais da legislação brasileira, o que reforça a necessidade de uma escolha cuidadosa do foro, com especial atenção para a compatibilidade das leis nacionais e internacionais.
A escolha da cláusula de foro em contratos internacionais é uma decisão que exige um estudo aprofundado e estratégico, considerando tanto as normas processuais quanto as substanciais dos países envolvidos. Embora a liberdade das partes em escolher o foro seja um ponto positivo, existem limitações que visam proteger direitos fundamentais, como a competência exclusiva da jurisdição brasileira em casos específicos. O planejamento adequado e a análise de riscos são fundamentais para garantir que a escolha do foro resulte em maior segurança jurídica e efetividade na resolução de disputas, evitando custos elevados e insegurança jurídica.
Portanto, antes de firmar contratos internacionais, é essencial que as partes envolvidas compreendam as implicações legais da escolha do foro, levando em conta os aspectos processuais, os tratados internacionais aplicáveis e as especificidades de cada jurisdição, para assegurar uma relação contratual segura e eficiente.
A escolha de cláusula de foro em contratos internacionais
Por Cristiane Schmitt-Braitling
A celebração de contratos internacionais entre empresas e pessoas físicas tem se tornado cada vez mais frequente, seja por motivos comerciais, investimentos ou até mesmo viagens e lazer. Um dos aspectos relevantes na elaboração desses instrumentos é a cláusula de eleição de foro, que define previamente qual será o local competente para resolver eventuais conflitos judiciais, como inadimplementos contratuais ou disputas sobre pagamentos.
A eleição de foro é fruto de um acordo entre as partes contratantes, que, por meio de cláusula expressa, determinam em qual jurisdição eventuais ações judiciais serão propostas. Essa escolha proporciona maior segurança jurídica, previsibilidade e eficiência na resolução de litígios. No entanto, essa decisão deve ser tomada com cautela, após análise detalhada da legislação envolvida no contrato.
É fundamental diferenciar a escolha do foro da definição da legislação aplicável. A primeira trata do local onde será processada uma ação judicial, enquanto a segunda se refere à lei que regerá os direitos e obrigações do contrato. Além disso, é importante distinguir essas escolhas da opção pela arbitragem, que é um método alternativo de resolução de conflitos, fora do Judiciário estatal.
De acordo com entendimento do Superior Tribunal de Justiça (STJ), um contrato é considerado internacional quando possui vínculo com mais de um ordenamento jurídico. Essa conexão pode ser identificada a partir da nacionalidade, domicílio ou residência das partes, legislação aplicada, foro de eleição, lugar do objeto, do cumprimento das obrigações e assinatura (REsp n. 1.850.781/SP).
Em regra, a jurisdição brasileira é competente para julgar ações quando o réu reside no Brasil, a obrigação deve ser cumprida no território nacional ou o fundamento da demanda ocorreu no país, conforme o artigo 21 do Código de Processo Civil (CPC). No entanto, em contratos internacionais, as partes podem escolher livremente o foro competente, inclusive um foro estrangeiro, conforme autorizado pelo artigo 22, III do CPC. Mesmo que a lei aplicável ao contrato seja estrangeira, o procedimento judicial seguirá as normas processuais brasileiras se a jurisdição escolhida for o Brasil (REsp 1.966.276/SP).
Contudo, existem situações em que a competência da Justiça brasileira é absoluta e não pode ser afastada por cláusula contratual. Um exemplo é a compra e venda de imóveis localizados no Brasil, cuja jurisdição obrigatoriamente será brasileira, conforme o artigo 23, I do CPC. Também nos casos de relações de consumo, se o consumidor residir no Brasil, a jurisdição nacional é obrigatória, mesmo que haja cláusula de eleição de foro estrangeiro. Tal cláusula poderá ser considerada abusiva e nula, como decidido pelo STJ no REsp n. 1.797.109/SP. Além disso, o consumidor pode ingressar com ação no foro de seu domicílio (REsp n. 247.724/SP).
Outro ponto importante é que, quando se trata de competência exclusiva da Justiça brasileira, uma decisão judicial proferida por tribunal estrangeiro não terá validade no Brasil, pois faltará um requisito essencial para a homologação da sentença estrangeira. Por isso, antes da assinatura de qualquer contrato internacional, é recomendável que as partes avaliem a possibilidade de reconhecimento e execução de decisões estrangeiras nos respectivos países envolvidos.
Conforme o artigo 25 do CPC, a cláusula de eleição de foro estrangeiro deve ser arguida pelo réu na contestação, sob pena de prorrogação da competência, conforme reforçado pelo STJ no julgamento do AgInt no AREsp n. 1.341.280/DF. No entanto, essa exigência não se aplica quando se trata de competência exclusiva da autoridade brasileira, como é o caso de bens imóveis situados no Brasil (art. 25, § 1º do CPC). ,
Importante destacar que, mesmo havendo ação em trâmite no exterior com base em cláusula contratual, isso não impede o ajuizamento de ação no Brasil, salvo se houver convenção internacional ou tratado bilateral em sentido contrário (art. 24 do CPC).
No contexto da União Europeia e do Espaço Econômico Europeu, aplicam-se regras específicas sobre jurisdição, reconhecimento e execução de decisões judiciais, como o Regulamento (UE) 1215/2012, especialmente o artigo 25, que trata da validade das cláusulas de eleição de foro, desde que não contrariem a legislação do Estado-Membro escolhido. A Convenção de Lugano, aplicável aos Estados-Membros da União Europeia, assim como a países como Suíça, Noruega, Islândia e Dinamarca, deve igualmente ser observada, a par da Convenção da Haia relativa aos acordos de eleição de foro.
A eficácia da cláusula de foro varia conforme a legislação de cada país. Na Alemanha, por exemplo, ela pode ser considerada inválida se for contra os bons costumes (§ 138 BGB) ou contra a princípios e direitos fundamentais (§ 6 EGBGB). Já na Suíça, a eleição de foro é válida desde que acordada por escrito ou por outro meio que permita comprovação por texto (Art. 5, Abs.1 IPRG). Se uma parte for indevidamente privada de um local de jurisdição de acordo com a lei suíça, o acordo será inválido (Art. 5, Abs.2 IPRG).
A escolha do foro em contratos internacionais é uma decisão que exige análise criteriosa, considerando a legislação, tratados internacionais e práticas jurídicas dos países envolvidos. Cada contrato deve ser analisado individualmente, respeitando as especificidades das partes, da natureza do negócio e das normas legais aplicáveis, garantindo assim maior segurança e previsibilidade às relações jurídicas internacionais. Uma escolha equivocada pode gerar custos elevados, insegurança jurídica e até impossibilidade de reconhecimento de decisão judicial em outro país.
Fonte: https://www.schmitt-braitling.com/a-escolha-de-clausula-de-foro-em-contratos-internacionais/
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