Por Silvana de Oliveira – Perita Judicial, Grafotécnica, Especialista em Provas Digitais e Investigação Forense
“Macumbeiro” pode dar processo? O WhatsApp, a Justiça e os limites da liberdade de expressão
Uma discussão por mensagens de WhatsApp terminou na Justiça de Limeira (SP) após um homem ser chamado de “macumbeiro”, “filho da p…” e ouvir que ele “não prestava”. Frequentador da religião Umbanda, o autor da ação alegou ter sido vítima de ofensas com teor discriminatório, que violaram sua liberdade religiosa e dignidade.
As mensagens e áudios enviados via WhatsApp foram anexados ao processo como prova. Segundo o autor, as palavras utilizadas causaram “profunda humilhação” e atingiram diretamente sua honra e convicção religiosa. Diante disso, recorreu ao Judiciário em busca de reparação moral e reconhecimento da violência simbólica que sofreu.
Quando a ofensa ultrapassa o limite da opinião
No Brasil, a liberdade de expressão é um direito constitucional. No entanto, esse direito não é absoluto. Quando a manifestação verbal atinge valores fundamentais de outro indivíduo – como honra, dignidade, fé ou identidade religiosa – pode configurar crime de injúria racial ou intolerância religiosa, ambos previstos na legislação penal brasileira.
Chamar alguém de “macumbeiro”, isoladamente, não seria, a princípio, crime. Contudo, o contexto faz toda a diferença. Quando o termo é usado com conotação pejorativa, carregado de preconceito ou com o intuito de humilhar ou inferiorizar, ele se transforma em ofensa discriminatória. Nesse caso, a palavra se converte num instrumento de exclusão social e estigmatização religiosa, especialmente quando dirigida a praticantes de religiões de matriz africana, historicamente marginalizadas.
A Justiça está atenta
Nos últimos anos, o Judiciário brasileiro tem mostrado maior sensibilidade para casos de intolerância religiosa, sobretudo quando envolvem religiões afro-brasileiras como a Umbanda e o Candomblé. Em diversas decisões, tribunais reconheceram o uso de termos depreciativos como forma de violência simbólica, moral e até física.
Além disso, a Lei nº 7.716/19891, que trata dos crimes resultantes de preconceito de raça ou de cor, abrange também a intolerância religiosa. Complementarmente, o Código Penal (art. 140, §3º2) tipifica a injúria qualificada, que ocorre quando a ofensa tem relação com raça, cor, etnia, religião ou origem.
Provas Digitais e Defesa Jurídica
O caso citado é também um exemplo claro do uso de provas digitais em processos judiciais. Mensagens e áudios de WhatsApp3 são considerados válidos como provas, desde que obtidos de forma lícita e sem violar direitos de terceiros. Com os registros em mãos, a vítima pôde demonstrar a autoria, o teor ofensivo e o contexto das agressões. Esse tipo de evidência tem se tornado cada vez mais comum em ações envolvendo conflitos interpessoais, assédio, calúnia e difamação nas redes sociais e aplicativos de mensagem.
o respeito é a base da convivência
Vivemos em um país plural, com uma rica diversidade de crenças, culturas e formas de expressão espiritual4. Em uma sociedade democrática, o respeito à liberdade religiosa não é apenas uma escolha ética – é uma exigência legal.
Ao utilizarmos expressões carregadas de preconceito, mesmo em conversas privadas, podemos ultrapassar fronteiras perigosas, transformando palavras em armas de violência. É dever de todos – e do sistema de Justiça – coibir essas práticas e proteger quem escolhe viver sua fé com liberdade e dignidade.
Fontes recomendadas:
- Lei nº 7.716/1989 – Preconceito de raça ou cor http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l7716.htm ↩︎
- Art. 140 do Código Penal – Injúria qualificada http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848.htm#art140 ↩︎
- CNJ – Intolerância religiosa: como denunciar e o que diz a lei https://www.cnj.jus.br/intolerancia-religiosa-como-denunciar-e-o-que-diz-a-lei/ ↩︎
- MPF – Intolerância contra religiões de matriz africana é racismo https://www.mpf.mp.br/atuacao-tematica/ccr6/documentos-e-publicacoes/noticias/intolerancia-contra-religioes-de-matriz-africana-e-racismo-afirma-mpf ↩︎
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