Por Silvana de Oliveira – Perita Judicial, Grafotécnica, Especialista em Provas Digitais e Investigação Forense
A atuação dos cartórios extrajudiciais tem passado por significativas transformações, tanto estruturais quanto jurídicas. Embora exerçam função pública em regime de delegação, são geridos por particulares, o que suscita relevantes debates quanto aos seus direitos, deveres, limites e garantias. Este artigo analisa os principais entendimentos do Superior Tribunal de Justiça (STJ) sobre o tema, destacando os contornos legais da responsabilidade dos titulares, a publicidade das informações cartorárias, as restrições à nomeação de interinos e substitutos, bem como as regras aplicáveis aos concursos de remoção e à aposentadoria compulsória.
Natureza Jurídica e Responsabilidade dos Cartórios
Os cartórios extrajudiciais não possuem personalidade jurídica, nem se enquadram no conceito de empresa. Segundo o STJ (REsp 1.097.995), sua natureza é de ente administrativo desprovido de patrimônio próprio, razão pela qual não podem figurar como parte passiva em ações judiciais. Eventual responsabilidade por danos advindos de sua atuação recai diretamente sobre o titular que exercia a função no momento do fato gerador, não se estendendo ao sucessor.
Essa compreensão reforça a noção de que os serviços notariais, embora privados na execução, mantêm vinculação com o interesse público, sendo sua atuação estritamente regulada pelo ordenamento jurídico.
Regime Tributário e Contribuições Sociais
No tocante ao regime tributário, a jurisprudência tem sido clara ao afastar a obrigatoriedade do pagamento de contribuições como o salário-educação pelos titulares de cartórios. Conforme decidido no REsp 2.011.917, a Segunda Turma do STJ considerou que esses profissionais, por serem pessoas físicas e não realizarem atividade empresarial, não se equiparam a empresas para fins dessa contribuição.
Esse entendimento preserva a diferenciação entre contribuições previdenciárias obrigatórias e contribuições sociais de natureza diversa, como é o caso do salário-educação, que exige previsão legal específica e não pode ser ampliado por analogia.
Transparência e Publicidade: Limites do Sigilo
Embora os dados cartorários envolvam a gestão privada, o STJ firmou entendimento de que a divulgação de receitas e despesas dos cartórios não viola o direito à intimidade ou à privacidade de seus titulares (RMS 70.212). Essa posição decorre do caráter público das atividades delegadas, que devem ser pautadas pela transparência, como forma de controle e fiscalização pela sociedade.
Dessa forma, é legítima a exigência de que os dados financeiros das serventias sejam publicizados por meio dos Portais da Transparência, reforçando o princípio da publicidade e a responsabilização administrativa.
Nomeações Irregulares: Nepotismo e Invalidade de Atos
Dois julgados relevantes reforçam a rigidez com que o STJ trata a nomeação de substitutos e interinos:
- No RMS 69.678, o Tribunal invalidou a nomeação de substituto realizada por titular cuja investidura fora considerada nula, reafirmando que atos derivados de nomeações irregulares também são nulos.
- No RMS 63.160, considerou-se como “nepotismo póstumo” a nomeação do filho do titular falecido como interino, mesmo em caráter temporário. A decisão se fundamenta na vedação expressa do Provimento 77/2018 da CNJ e no princípio constitucional da moralidade administrativa.
Esses entendimentos visam coibir práticas que, embora historicamente toleradas, ferem os princípios da impessoalidade e da legalidade que regem a administração pública.
Regras para Concursos de Remoção
No RMS 50.366, o STJ estabeleceu que não se exige a mesma titulação específica entre a serventia de origem e a de destino para efeitos de remoção. A jurisprudência reconhece que, diante da diversidade de atribuições cartorárias e da acumulação de atividades em diversas serventias, não há exigência de correspondência de especialidade entre os cartórios envolvidos na remoção, desde que o titular já exerça a delegação há mais de dois anos.
Responsabilidade Tributária e Titularidade
No AREsp 1.858.938, foi reafirmado que o titular do cartório responde pessoalmente pelos tributos incidentes sobre a atividade notarial, como o ISS, mesmo que esteja no exercício da função por substituição. Tal responsabilização decorre do fato de que os cartórios não têm personalidade jurídica, sendo seus titulares os sujeitos passivos das obrigações tributárias.
Prescrição de Sanções Administrativas
Em tema de sanção disciplinar, o STJ (RMS 72.379) entendeu que, na ausência de previsão específica na Lei 8.935/1994, aplicam-se os prazos de prescrição estabelecidos na legislação estadual do funcionalismo público civil. Assim, não se aplica a regra da Lei 8.112/1990 (servidores federais), mas sim o estatuto do estado em que a serventia se localiza, respeitando a autonomia federativa e a competência normativa local.
Aposentadoria Compulsória: Critérios Distintos
Por fim, no RMS 57.258, reafirmou-se que titulares de serventias extrajudiciais não estão sujeitos à aposentadoria compulsória, salvo quando ocupem cargos públicos efetivos ou recebam remuneração direta dos cofres públicos. A análise da Corte considerou os critérios fixados pelo STF no RE 647.827, que distinguiu três situações jurídicas diferentes para definir a aplicação ou não da regra de aposentadoria aos delegatários.
A jurisprudência do STJ tem desempenhado papel fundamental na consolidação de uma visão moderna e constitucionalmente adequada da atividade cartorária. Ao reforçar a natureza pública dos serviços, mesmo quando delegados a particulares, o Tribunal delimita os direitos, deveres e garantias dos titulares de serventias, com foco na transparência, responsabilidade e moralidade. Essa construção jurisprudencial contribui para o fortalecimento da confiança social nos atos praticados em cartório e na função essencial que essas instituições exercem no ordenamento jurídico brasileiro.
- Fonte: https://www.stj.jus.br/sites/portalp/paginas/comunicacao/noticias/2025/03082025-jurisprudencia-define-limites-e-garantias-na-atividade-dos-cartorios-extrajudiciais.aspx
- Esta notícia refere-se ao(s) processo(s): REsp 1097995REsp 2011917RMS 70212RMS 69678RMS 50366AREsp 1858938RMS 72379RMS 57258RMS 63160
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