Por Silvana de Oliveira – Perita Judicial, Grafotécnica, Especialista em Provas Digitais e Investigação Forense
Situações em que sintomas físicos graves surgem sem uma causa médica comprovada são um desafio tanto para a medicina quanto para o direito. Um exemplo que chama atenção é o caso de uma criança que apresenta sintomas físicos compatíveis com atropelamento, embora não tenha havido acidente real.
A impressão subjetiva da criança — de que foi atropelada — é tão intensa que se manifesta fisicamente. Esse fenômeno é reconhecido pela medicina como transtorno de conversão, no qual um fator psicológico desencadeia sintomas físicos reais.
Além disso, é possível que ocorra o efeito nocebo, o oposto do efeito placebo. Enquanto o placebo leva a melhoras por sugestão positiva, o nocebo provoca danos físicos devido a crenças negativas ou medos profundos.
O efeito nocebo é um fenômeno psicológico e fisiológico em que uma expectativa negativa — ou o medo de que algo ruim aconteça — provoca efeitos físicos reais no corpo, mesmo sem que exista uma causa física concreta para aquele dano.
É basicamente o “irmão mau” do efeito placebo:
- Placebo: a pessoa acredita que algo vai ajudá-la → o corpo responde positivamente.
- Nocebo: a pessoa acredita que algo vai prejudicá-la → o corpo reage negativamente.
Como funciona
O cérebro interpreta a expectativa negativa como um alerta real de perigo, liberando hormônios do estresse e ativando respostas fisiológicas que podem gerar:
- Dores reais.
- Aumento da pressão arterial.
- Dificuldade para respirar.
- Náuseas e vômitos.
- Alterações neurológicas e motoras.
Exemplo Fictício
O caso do Marinheiro do freezer: Em 1950, um marinheiro preso dentro de um freezer de um navio acreditou estar sendo congelado. Ele descreveu, gravando na parede, a progressão dos sintomas: nariz e dedos gelados, perda gradual da sensibilidade… até morrer. O mais impressionante é que o freezer estava desligado, com temperatura interna de 18 °C — insuficiente para provocar hipotermia fatal. Sua convicção mental desencadeou reações físicas que imitaram, e por fim reproduziram, a morte por congelamento.
O caso do menino João: João, um menino de 8 anos, estava brincando na rua quando um carro passou muito perto dele, fazendo um barulho alto. Apesar de não ter sido tocado pelo veículo, João ficou convencido de que tinha sido atropelado. Nos dias seguintes, ele começou a sentir dores fortes nas pernas e dificuldade para caminhar, mesmo sem nenhum ferimento visível. Quando perguntado, João insistia que tinha certeza de que o carro o atingiu. Os médicos, após exames, não encontraram lesões físicas, mas suspeitaram que os sintomas físicos de João estavam ligados a uma forte reação psicológica — o transtorno de conversão. O medo e a convicção de que havia sido atropelado desencadearam essas dores reais no corpo dele. Assim, o pensamento de João de que foi atropelado provocou sintomas reais, embora ele nunca tenha sofrido qualquer impacto físico.
Síndrome de Munchausen e hipocondria
Casos assim precisam ser diferenciados de transtornos como:
- Síndrome de Munchausen: a pessoa finge ou induz sintomas para receber atenção médica e emocional, mesmo sem doença real.
- Hipocondria: ansiedade extrema sobre a própria saúde, com medo constante de doenças graves.
Os desafios do direito diante desses casos
Nos dois casos apresentados — o marinheiro preso no freezer e o menino João que acreditou ter sido atropelado — temos um fenômeno psicológico fascinante e desafiador para o Direito: o efeito nocebo.
O efeito nocebo é o contrário do efeito placebo. Enquanto o placebo gera efeitos positivos baseados na crença de cura ou melhora, o nocebo provoca efeitos negativos e sintomas reais baseados na convicção mental negativa ou no medo. Ou seja, a pessoa acredita estar sofrendo um dano grave e, por essa crença, seu corpo manifesta sintomas reais, embora o agente físico externo que supostamente causaria esse dano esteja ausente ou insuficiente para causar os sintomas.
O fenômeno em que crenças ou impressões desencadeiam sintomas físicos reais é cientificamente reconhecido, mas juridicamente complexo. O direito precisa dialogar com a medicina e a psicologia para diferenciar fraude consciente, transtornos involuntários e danos induzidos por terceiros. Nos tribunais, a solução exige uma prova pericial multidisciplinar e sensibilidade para lidar com a vítima — especialmente quando se trata de criança — garantindo proteção integral e evitando decisões baseadas apenas na ausência de causa física.
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