Geolocalização vira aliada na Justiça: TST reconhece uso como prova de jornada

Por Silvana de Oliveira  Perita Judicial, Grafotécnica, Especialista em Provas Digitais e Investigação Forense

A evolução tecnológica vem transformando não apenas as relações de trabalho, mas também os instrumentos de prova no âmbito judicial. Um exemplo emblemático dessa transformação ocorreu no julgamento do processo ROT-23218-21.2023.5.04.00001, em que o Tribunal Superior do Trabalho (TST) validou o uso da geolocalização como prova digital para aferir a jornada de um bancário.

O caso concreto

O processo teve início em uma reclamação trabalhista ajuizada por um bancário do Banco Santander S.A., que alegava o direito ao pagamento de horas extras. O banco, em sua defesa, sustentou que o empregado exercia função de confiança e, portanto, não estava submetido ao controle de jornada. Para reforçar sua tese, requereu a produção de prova digital por meio da geolocalização do celular do trabalhador, a fim de verificar se ele estava ou não na agência nos horários alegados.

O juízo de primeiro grau deferiu o pedido, determinando que o bancário informasse o número de telefone e o IMEI do aparelho. Diante disso, o trabalhador impetrou mandado de segurança no Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (RS), alegando violação à sua privacidade e intimidade. O TRT acolheu a tese e cassou a decisão, entendendo que a medida era invasiva.

O posicionamento do TST

O recurso do banco chegou à Subseção II Especializada em Dissídios Individuais (SDI-2) do TST, que, por maioria de votos, entendeu que a geolocalização não viola o sigilo de comunicações, pois não envolve interceptação de diálogos, mas apenas a verificação de posicionamento do aparelho em horários específicos.

O relator, ministro Amaury Rodrigues, destacou três pontos centrais:

  1. Adequação da prova – a geolocalização é um meio técnico eficaz para verificar a presença do trabalhador na agência nos horários alegados.
  2. Necessidade – trata-se de prova relevante diante da controvérsia sobre o exercício de cargo de confiança.
  3. Proporcionalidade – a medida se limita aos períodos informados pelo próprio empregado, evitando uma devassa em sua vida privada.

Segundo o ministro, só haveria violação da intimidade caso as alegações do empregado fossem falsas, pois a diligência coincidiria exatamente com os horários e locais indicados por ele.

Marco legal e respaldo normativo

O acórdão ressaltou que o uso de provas digitais encontra respaldo em diferentes diplomas normativos:

  • Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD – Lei 13.709/2018), que permite o tratamento de dados para exercício regular de direitos em processo judicial.
  • Marco Civil da Internet (Lei 12.965/2014), que disciplina o acesso a registros e dados de conexão mediante ordem judicial.
  • Lei de Acesso à Informação (Lei 12.527/2011), que reforça o equilíbrio entre publicidade e proteção de dados pessoais.

Além disso, a própria Justiça do Trabalho vem se capacitando no uso de tecnologias, como o sistema Veritas, que trata relatórios de geolocalização para fins probatórios, seja na fase de conhecimento ou de execução.

Apesar da maioria, houve votos vencidos, como o do ministro Aloysio Corrêa da Veiga, que defendeu que a geolocalização deveria ser admitida apenas como prova subsidiária, e não como primeira medida de instrução processual. Para ele, a banalização do uso desse recurso poderia acarretar riscos à intimidade do trabalhador, especialmente se utilizado de forma rotineira.

A decisão do TST inaugura um importante precedente no reconhecimento da geolocalização como meio de prova digital válido e legítimo no processo trabalhista, desde que respeitados os princípios da proporcionalidade e da necessidade.

Esse entendimento reforça a necessidade de conciliação entre tecnologia e direitos fundamentais, equilibrando o poder de investigação do empregador e a proteção à privacidade do trabalhador.

Para advogados, peritos e magistrados, o caso serve de referência prática para futuros litígios que envolvam provas digitais, apontando que o debate não se limita à admissibilidade, mas também ao modo de utilização responsável dessas ferramentas.

  1. Fonte: TST valida geolocalização como prova digital https://www.tst.jus.br/-/tst-valida-geolocalização-como-prova-digital-de-jornada-de-bancário ↩︎