Por Silvana de Oliveira – Perita Judicial, Grafotécnica, Especialista em Provas Digitais e Investigação Forense
O avanço da tecnologia trouxe novas questões jurídicas, e uma delas está relacionada à chamada “herança digital”. Recentemente, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) começou a analisar como deve ser o acesso de herdeiros a dispositivos digitais de pessoas que faleceram, incluindo celulares, computadores e contas online.
O caso que motivou o julgamento envolve a mãe de uma vítima do acidente aéreo que matou o empresário Roger Agnelli e sua família1. Ela solicitou autorização judicial para acessar o computador do falecido, em busca de patrimônio financeiro e registros pessoais de valor sentimental, como fotos e documentos.
A questão vai além do simples acesso a arquivos pessoais. Trata-se de um novo campo do direito sucessório, que exige conciliar proteção de dados, privacidade do falecido e direitos dos herdeiros. A relatora do caso, ministra Nancy Andrighi, propôs a criação da figura do “inventariante digital”, responsável por administrar os bens digitais do espólio, analisar o conteúdo dos dispositivos e elaborar um relatório para que o juiz decida quais dados podem ser transmitidos aos herdeiros.
Especialistas alertam para os riscos de um acesso irrestrito. Segundo Alexandre Atheniense, advogado e especialista em Direito Digital, herdeiros podem se responsabilizar criminalmente ao acessar dados de terceiros, contratos, informações bancárias ou registros sigilosos sem autorização. Além disso, direitos de personalidade e intimidade do falecido permanecem protegidos após a morte.
No direito digital, bens podem ser classificados como patrimoniais ou existenciais. Entre os patrimoniais, que podem ser herdados, estão criptomoedas, NFTs, direitos autorais, domínios de sites, lojas virtuais, contas monetizadas em plataformas e cursos online. Já os existenciais, como e-mails pessoais, registros médicos, fotos e vídeos familiares, diários digitais e conversas privadas, não podem ser transmitidos aos herdeiros.
O debate no STJ envolve ainda desafios técnicos e legais, como senhas, criptografia, termos de uso de plataformas digitais e a legislação de proteção de dados (LGPD). A decisão do tribunal poderá definir padrões sobre como empresas devem lidar com solicitações de acesso a contas e dispositivos de pessoas falecidas, impactando milhões de famílias brasileiras.
Além do aspecto jurídico, a discussão levanta questões éticas: até que ponto os herdeiros podem acessar dados que o falecido não quis compartilhar? Qual é o limite entre o direito à memória digital e a privacidade individual?
Enquanto o STJ analisa o tema, advogados e especialistas recomendam que as pessoas planejem sua herança digital, registrando senhas e instruções de acesso de forma segura. A criação do inventariante digital pode se tornar uma ferramenta essencial para equilibrar direitos e proteger informações sensíveis, garantindo que a tecnologia continue a servir às famílias, mesmo após a morte.
- Fonte: https://pordentrodetudo.com.br/heranca-digital-stj-julga-o-acesso-de-herdeiros-a-dispositivos-de-pessoas-que-morreram ↩︎
Vimos que você gostou e quer compartilhar. Sem problemas, desde que cite o link da página. Lei de Direitos Autorais, (Lei 9610 de 19/02/1998), sua reprodução total ou parcial é proibida nos termos da Lei
