Por Silvana de Oliveira – Perita Judicial, Grafotécnica, Especialista em Provas Digitais e Investigação Forense
A Configuração do Crime de Ameaça em Áudios Intimidadores: Aspectos Jurídicos e Jurisprudenciais
O avanço das tecnologias de comunicação trouxe novas formas de interação, mas também de conflitos. O uso de aplicativos de mensagens instantâneas, como WhatsApp e Telegram, ampliou a produção de provas em processos judiciais, inclusive na esfera penal. Entre os delitos que frequentemente se manifestam nesses meios está a ameaça (art. 147 do Código Penal1), cuja tipificação não exige apenas a promessa explícita de causar mal injusto e grave, mas pode se concretizar por meio de manifestações indiretas ou intimidadoras. Recentemente, no processo nº 5001376-63.2024.8.24.0126, a Justiça brasileira reconheceu a consumação desse crime a partir de áudios com conteúdo intimidador enviados em um litígio comercial, ainda que sem menção direta a violência física.


O crime de ameaça no Código Penal
O artigo 147 do Código Penal dispõe:
“Ameaçar alguém, por palavra, escrito ou gesto, ou qualquer outro meio simbólico, de causar-lhe mal injusto e grave: Pena – detenção, de um a seis meses, ou multa.”
O núcleo do tipo penal é intimidar a vítima com a perspectiva de sofrer um mal grave e injusto, capaz de abalar sua tranquilidade ou liberdade psíquica. Não se exige que a ameaça seja cumprida, apenas que seja séria e verossímil, a ponto de gerar medo ou insegurança.
Áudios intimidadores como meio de consumação
A jurisprudência vem reconhecendo que áudios, mensagens de texto ou postagens em redes sociais podem configurar ameaça, desde que revelem conteúdo intimidatório.
Nesse caso, os áudios enviados pelo acusado em um conflito comercial foram considerados suficientes para caracterizar o delito, pois criaram clima de temor e constrangimento, mesmo sem referência expressa a agressão física.
A ausência de promessa expressa de violência
Um ponto importante do julgado foi a rejeição da tese defensiva de que não haveria crime sem a promessa de violência física ou dano material. O tribunal entendeu que a consumação do delito está vinculada ao impacto psicológico sofrido pela vítima, e não à forma literal da ameaça.
Assim, frases que transmitam pressão, intimidação ou insinuação de retaliações futuras podem configurar ameaça, ainda que indiretas.
Provas digitais e cadeia de custódia
Outro aspecto relevante é a utilização de áudios como prova digital. Para validade processual, exige-se observância da cadeia de custódia (arts. 158-A a 158-F do CPP), garantindo que o material coletado seja íntegro e autêntico. A jurisprudência tem admitido gravações de WhatsApp como prova desde que demonstrada sua fidedignidade.
Esse caso alerta empresários, advogados e profissionais em negociações comerciais para os riscos do uso de mensagens em tom agressivo ou intimidador. O que poderia parecer apenas um desabafo ou forma de pressão pode ser interpretado como crime, sujeitando o autor a condenação penal.
Além disso, a decisão reforça a importância da ética na comunicação empresarial, especialmente em situações de litígio.
A condenação por ameaça baseada em áudios intimidadores demonstra que a Justiça brasileira está atenta às novas formas de comunicação e aos reflexos que elas geram na esfera penal.
O entendimento de que não é necessária uma promessa expressa de violência, bastando o conteúdo intimidador capaz de abalar a tranquilidade da vítima, amplia a proteção jurídica à dignidade e à liberdade psíquica.
Dessa forma, profissionais e cidadãos devem ter cautela ao utilizar meios digitais, pois cada mensagem enviada pode constituir não apenas prova em processos civis e comerciais, mas também base para responsabilização criminal.
- art. 147 do Código Penal https://www.jusbrasil.com.br/topicos/10621647/artigo-147-do-decreto-lei-n-2848-de-07-de-dezembro-de-1940 ↩︎
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