Espelhamento de WhatsApp: STJ Vai Definir os Limites da Prova Digital

Por Silvana de Oliveira  Perita Judicial, Grafotécnica, Especialista em Provas Digitais e Investigação Forense

STJ vai definir licitude da prova obtida por espelhamento do aplicativo de mensagens

A era digital trouxe novas fronteiras para o Direito Penal e Processual Penal, especialmente no que diz respeito à produção e validade da prova digital1. Entre os desafios atuais, destaca-se a controvérsia sobre a licitude das provas obtidas por espelhamento de aplicativos de mensagens, como o WhatsApp, Telegram e similares.

A 3ª Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu enfrentar o tema em sede de recurso repetitivo, com o objetivo de fixar tese vinculante que traga segurança jurídica às investigações criminais e aos julgamentos que envolvem dados telemáticos.

O que é o espelhamento de aplicativo de mensagens

O espelhamento ocorre quando o conteúdo de um aplicativo de mensagens instalado em um celular é acessado a partir de outro dispositivo, mediante leitura de um QR Code — o mesmo procedimento utilizado para ativar o WhatsApp Web. Na prática, o espelhamento concede ao investigador ou perito acesso total às conversas, contatos, arquivos e mídias trocadas, além da possibilidade de manipulação desse conteúdo. Ou seja, o agente pode visualizar, alterar, apagar ou criar mensagens, o que levanta sérias dúvidas quanto à integridade e autenticidade da prova.

A controvérsia jurídica: licitude ou ilicitude da prova

O ponto central do debate está em saber se a prova obtida por espelhamento é lícita — especialmente quando ocorre sem observância rigorosa da cadeia de custódia digital e sem mecanismos de auditoria que comprovem sua integridade.

A jurisprudência do STJ, até então, admitia a validade dessa prova, desde que não houvesse demonstração de adulteração. Em outras palavras, o ônus de provar a manipulação recaía sobre a defesa.

Contudo, a evolução tecnológica e o fortalecimento do princípio da confiabilidade da prova digital têm provocado reflexões mais profundas: como assegurar que os dados espelhados não foram alterados se o próprio método permite manipulação?

O artigo 158-A do Código de Processo Penal, incluído pela Lei nº 13.964/2019 (Pacote Anticrime), é claro ao determinar que a cadeia de custódia deve garantir a autenticidade e integridade da prova. Assim, a simples presunção de validade pode não mais atender ao rigor exigido pelo ordenamento.

O tema foi afetado pela 3ª Seção do STJ, sob relatoria do ministro Rogerio Schietti Cruz, para julgamento sob o rito dos recursos repetitivos. A proposta é fixar uma tese vinculante sobre a licitude da prova decorrente de quebra de sigilo telemático por espelhamento de aplicativo de mensagens.

Segundo o relator, o julgamento busca uniformizar a jurisprudência e orientar a atuação das autoridades policiais e judiciais, diante da multiplicidade de processos que tratam do mesmo assunto.

Importante destacar que a afetação não suspende automaticamente os processos em andamento que discutem o tema. O colegiado tem até um ano para concluir o julgamento.

Cadeia de custódia e integridade da prova digital

A cadeia de custódia da prova digital é o conjunto de procedimentos documentados que asseguram que o material coletado — mensagens, arquivos, metadados — permaneça íntegro, autêntico e rastreável desde a coleta até sua apresentação em juízo. O julgamento pelo STJ representa mais do que uma mera discussão técnica: trata-se de definir os limites éticos e legais da investigação digital em tempos de hiperconectividade.

A questão envolve o equilíbrio entre o dever estatal de investigar e o direito fundamental à privacidade e à prova lícita.

Enquanto não houver decisão definitiva, recomenda-se que investigadores, peritos e advogados adotem critérios técnicos rigorosos — com registros formais de cadeia de custódia, utilização de ferramentas forenses certificadas e documentação completa do processo de coleta e análise de dados.

Clique aqui para ler o acórdão de afetação
REsp 2.052.194

  1. Fonte: https://www.conjur.com.br/2025-out-04/stj-vai-definir-licitude-da-prova-obtida-por-espelhamento-do-app-de-mensagem ↩︎