Por Silvana de Oliveira – Perita Judicial, Grafotécnica, Especialista em Provas Digitais e Investigação Forense
Recuperação de Crédito e a Força das Provas Digitais no Contraditório e na Ampla Defesa
A recuperação de crédito, em especial os procedimentos de limpeza de negativação indevida, ganhou nova dimensão com o avanço das tecnologias e a transformação digital dos meios de prova. Hoje, a análise de assinaturas eletrônicas, logs de acesso, metadados, comunicações digitais e registros em blockchain tem papel fundamental na demonstração da veracidade das relações contratuais e na reconstrução dos fatos que fundamentam o direito ao contraditório e à ampla defesa.
No contexto da cobrança e do crédito, onde grande parte das contratações ocorre de forma eletrônica e sem contato físico entre as partes, o manejo técnico das provas digitais é essencial para garantir segurança jurídica, transparência e justiça nas decisões.
A Recuperação de Crédito e os Desafios Probatórios
As demandas de recuperação de crédito e de exclusão de registros indevidos em cadastros de inadimplentes (como SPC e Serasa) giram em torno de um ponto central: a existência, validade e autenticidade da contratação. Muitos consumidores alegam que não contrataram o serviço que deu origem à negativação, enquanto as empresas credoras afirmam o contrário — e é aí que a prova digital entra em cena.
Entre os principais elementos probatórios estão:
- Assinaturas digitais ou eletrônicas nos contratos;
- Comprovantes de aceite eletrônico (por clique, IP, geolocalização, e-mail ou SMS);
- Registros de logs e carimbos de tempo;
- Comprovação de envio de notificações prévias de negativação, exigidas pelo art. 43, §2º1, do Código de Defesa do Consumidor (CDC).
A ausência ou manipulação desses registros pode comprometer toda a validade do débito e ensejar dano moral por negativação indevida.
A Força das Provas Digitais na Perspectiva Jurídica
Com a Lei nº 13.105/20152 (Novo CPC), o legislador reconheceu expressamente as provas digitais como meio legítimo de demonstração dos fatos (art. 369 e seguintes). Já o Marco Civil da Internet (Lei nº 12.965/20143) e a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD – Lei nº 13.709/20184) estabeleceram diretrizes para a guarda, tratamento e apresentação de registros eletrônicos de forma segura, íntegra e rastreável.
O ponto mais relevante, porém, é o princípio da cadeia de custódia — previsto no art. 158-A 5do CPP (aplicável por analogia no âmbito cível) —, que garante a autenticidade e integridade da prova digital desde sua coleta até sua análise pericial.
Em processos de recuperação de crédito, isso significa que:
- prints de tela ou capturas simples não bastam se não acompanhados de metadados e contexto técnico;
- o perito ou advogado deve assegurar que o material digital seja coletado com metodologia adequada, registrando hashes, logs, origem e data de extração;
- a ausência desses cuidados pode levar à nulidade da prova ou ao seu desvalor probatório.
O Contraditório e a Ampla Defesa em Ambiente Digital
O contraditório e a ampla defesa (art. 5º, LV, da Constituição Federal6) são pilares que se expandem ao mundo digital. Para que haja paridade de armas, é indispensável que ambas as partes possam:
- ter acesso integral às evidências digitais utilizadas contra si;
- verificar sua autenticidade;
- contestar tecnicamente o método de coleta ou análise, quando houver falhas na cadeia de custódia.
Em uma ação onde o consumidor contesta um contrato eletrônico de crédito consignado, a instituição financeira deve demonstrar a autenticidade da assinatura digital, o registro do aceite e os logs de sistema que comprovam a vinculação do cliente ao ato. Caso contrário, o juiz poderá considerar que houve falha probatória, determinando a exclusão da negativação e eventualmente indenização por danos morais.
O Papel do Perito e do Advogado na Validação das Provas Digitais
Tanto o advogado quanto o perito judicial têm papel decisivo na validação técnica da prova digital:
- O advogado deve formular quesitos que abordem integridade, origem, autenticidade e validade da assinatura ou do documento eletrônico;
- O perito deve aplicar metodologias reconhecidas, utilizando ferramentas de verificação de hash, metadados e carimbo de tempo, além de garantir a preservação da cadeia de custódia.
Ignorar esses critérios técnicos — por exemplo, aceitar um contrato eletrônico sem verificação do ICP-Brasil, sem logs de acesso ou sem rastreabilidade de IP — pode resultar em erro pericial ou violação ao devido processo legal, comprometendo a sentença.
A força das provas digitais no processo de recuperação de crédito e limpeza de negativação reside em sua autenticidade técnica e observância à cadeia de custódia.
Num cenário em que o direito e a tecnologia se entrelaçam, é dever dos profissionais jurídicos compreender os limites e potencialidades das evidências eletrônicas, assegurando que o contraditório e a ampla defesa sejam exercidos de forma plena, transparente e tecnicamente sustentável.
A perícia digital mostra que a verdade, em tempos de documentos eletrônicos, não está na aparência visual do contrato, mas nos dados invisíveis que revelam sua história: metadados, logs e integridade criptográfica.
➡️ nem todo documento digital é uma prova válida;
➡️ mas toda prova digital bem preservada pode inocentar.
A prova digital, quando bem produzida e preservada, não é apenas um documento eletrônico — é a própria verdade processual em formato técnico, capaz de restaurar a justiça e o equilíbrio nas relações de consumo e crédito.
- art. 43, §2º, do Código de Defesa do Consumidor (CDC) https://www.jusbrasil.com.br/topicos/10601785/paragrafo-2-artigo-43-da-lei-n-8078-de-11-de-setembro-de-1990 ↩︎
- Lei nº 13.105/2015 (Novo CPC) https://normas.leg.br/?urn=urn:lex:br:federal:lei:2015-03-16;13105 ↩︎
- Marco Civil da Internet (Lei nº 12.965/2014) https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2014/lei/l12965.htm ↩︎
- LGPD – Lei nº 13.709/2018 https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2018/lei/l13709.htm ↩︎
- art. 158-A do CPP https://www.jusbrasil.com.br/topicos/250911206/artigo-158a-do-decreto-lei-n-3689-de-03-de-outubro-de-1941 ↩︎
- art. 5º, LV, da Constituição Federal https://goo.su/k4Lj ↩︎
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