Por Silvana de Oliveira – Perita Judicial, Grafotécnica, Especialista em Provas Digitais e Investigação Forense
A nomeação de peritos no Poder Judiciário é etapa crucial para a construção de provas técnicas consistentes e para a entrega de decisões fundamentadas. Com a edição da Resolução nº 233/2016 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), especialmente em seu Art. 9º, §1º, instituiu-se diretriz que reforça a autonomia judicial na escolha de profissionais cadastrados, mas que, na prática, tem favorecido a seleção de peritos pelo menor valor ofertado. Este artigo analisa os efeitos desse dispositivo sobre a qualidade da prova técnica, examina riscos decorrentes da nomeação baseada em critérios estritamente econômicos e discute possíveis impactos sobre contraditório, ampla defesa e segurança jurídica.

A perícia judicial é instrumento fundamental para a elucidação de fatos que exigem conhecimento especializado. A Resolução nº 233/20161 buscou modernizar o Cadastro Eletrônico de Peritos (CPEJ) e estabelecer parâmetros mínimos para a nomeação desses profissionais. Contudo, o §1º do Art. 9º — ao permitir, de forma ampla, a livre escolha do perito pelo magistrado dentro do cadastro — abriu espaço para interpretações que priorizam, de maneira equivocada, a seleção pelo menor valor, em detrimento da qualificação técnica. Assim, emerge a questão central: a busca pelo menor custo pode comprometer a confiabilidade da prova pericial e conduzir a decisões injustas?
A Resolução nº 233/2016 e o Art. 9º
O Art. 9º da Resolução estabelece que cabe ao magistrado escolher e nomear o profissional habilitado para atuar no processo. Seu §1º reforça que a escolha se dará entre os peritos cadastrados, por nomeação direta do profissional ou por sorteio eletrônico, a critério do magistrado..
Embora o objetivo tenha sido flexibilizar a nomeação, permitindo a escolha de profissionais mais adequados ao caso concreto, o dispositivo acabou sendo interpretado por alguns tribunais como autorização para priorizar o critério econômico, especialmente em cenários com restrição orçamentária. Essa prática produz efeitos sistêmicos sobre a credibilidade das provas técnicas e sobre o próprio mercado pericial.
A “Escolha pelo Menor Valor”: uma Tendência Preocupante
A adoção do critério do menor valor como fator determinante para a nomeação apresenta riscos evidentes:
Profissionais que praticam valores significativamente inferiores à média tendem, muitas vezes, a apresentar lacunas importantes: podem não possuir a especialização exigida, deixar de investir em atualização técnica, empregar metodologias ultrapassadas e, não raramente, subestimar a complexidade inerente ao objeto da perícia.
Na prática, peritos que atuam por valores excessivamente baixos tendem a produzir laudos insuficientes, metodologicamente frágeis, desprovidos de fundamento técnico jurídico sólido e altamente vulneráveis à impugnação.
Um laudo de baixa qualidade, aliado à quebra da cadeia de custódia, compromete a isonomia entre as partes e favorece quem se beneficia da fragilidade técnica da prova. A remuneração aviltada reduz atratividade da profissão e afasta especialistas altamente qualificados.
O resultado é um círculo vicioso: menor valor → menor qualidade → maior descrédito → menor valorização da perícia → redução do direito à ampla defesa, criando um ambiente probatório frágil que pode induzir o juízo ao erro.
Impactos no Contraditório e na Ampla Defesa
O laudo pericial frágil impõe às partes a necessidade de: impugnar extensivamente o trabalho técnico, produzir quesitos complementares, contratar assistentes técnicos para suprir deficiências metodológicas.
Esse processo encarece o litígio e desloca o ônus financeiro para os litigantes, violando proporcionalidade, razoabilidade e acesso à justiça. Além disso, decisões fundamentadas em provas tecnicamente deficientes tornam-se mais suscetíveis a recursos e nulidades.
Nomear Quem é Tecnicamente Adequado, Não Quem é Mais Barato
O §1º do Art. 9º não pode ser lido como autorização para selecionar o perito mais barato, mas sim como instrumento para permitir ao magistrado nomear o mais apto ao caso concreto.
Como em uma analogia simples: O fato de um cirurgião cobrar menos não o torna a melhor escolha para um procedimento complexo assim como o mais caro também não garante excelência. A escolha adequada é aquela que oferece o valor justo, compatível com a qualificação técnica necessária.
A perícia jurídica, assim como a medicina, exige precisão técnica e qualquer falha pode custar caro ao processo. A nomeação de um perito inadequado transforma o procedimento em um terreno de incertezas, aumenta a litigiosidade e compromete a legitimidade das decisões judiciais.
Portanto, a leitura correta do dispositivo deve considerar que a melhor escolha é aquela que une razoabilidade de custo com qualidade técnica, e não a que simplesmente apresenta o menor preço.

A responsabilidade do perito, por sua vez, é amplamente regulada pelo CPC, pelo Código Penal, pelo Código Civil e pelos conselhos profissionais, revelando que o ordenamento jurídico brasileiro reconhece a gravidade de erros técnicos na esfera judicial. Quando o perito falha, ele não compromete apenas o caso concreto: compromete a confiança social no sistema de justiça.
Diante disso, é imperativo que a nomeação de peritos observe critérios técnicos rigorosos, privilegiando a capacitação, a especialização e a metodologia científica. A busca pela economia não pode prevalecer sobre a busca pela verdade. A escolha do “mais barato” pode, tornar o processo mais caro em tempo, em recursos, em litigiosidade e em legitimidade.
Assim, a efetividade da Justiça depende de perícias sólidas, realizadas por profissionais capazes, remunerados de maneira justa e selecionados com critérios estritamente técnicos. Somente assim o Judiciário poderá garantir decisões fundamentadas, respeitar a ampla defesa e promover a entrega plena da prestação jurisdicional.
- Resolução nº 233/2016 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ https://atos.cnj.jus.br/files/resolucao_233_13072016_15072016133409.pdf ↩︎
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Muito obrigado pela excelente postagem.
Clara e objetiva, como todas as outras.
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Obrigada
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