Por Silvana de Oliveira – Perita Judicial, Grafotécnica, Especialista em Provas Digitais e Investigação Forense
A recente decisão proferida pelo Superior Tribunal de Justiça no HC 1.036.370/2025, relatado pelo ministro Joel Ilan Paciornik, representa um marco crucial na evolução da prova digital no Brasil. Ao anular uma condenação baseada exclusivamente em prints de conversas de WhatsApp, o STJ reafirmou a exigência de rigor técnico e respeito à cadeia de custódia como condições indispensáveis para a validade de qualquer evidência digital.
A decisão, datada de setembro de 2025, quebra um paradigma que há anos permeia a prática forense: a presunção de que capturas de tela são provas suficientes, seguras e autoexplicativas. O Tribunal foi categórico ao repudiar esse entendimento.
A posição firme do STJ
O voto que norteou o julgamento foi direto: sem protocolos técnicos de captura, preservação e documentação, prints de WhatsApp não constituem prova válida. Para reforçar esse posicionamento, o acórdão ecoou trecho já consagrado em precedente da 5ª Turma:
“A ausência de documentação mínima e da adoção das práticas necessárias para garantir a integridade do conteúdo torna a prova inadmissível.” (AgRg nos EDcl no AREsp 2.342.908/MG, Rel. Min. Ribeiro Dantas, STJ1)
Ou seja: não se trata mais de mera recomendação. É requisito.
O que passa a ser obrigatório na produção da prova digital?
O Tribunal delineou um conjunto de critérios alinhados às boas práticas internacionais, especialmente à ISO/IEC 27037:2013, norma que orienta a coleta e preservação de evidências digitais. A partir dessa decisão, fica claro que o Judiciário espera que a prova digital apresente:
✓ Integridade dos dados
- A integridade deve ser comprovada por meio de mecanismos como hash, função criptográfica que garante que o conteúdo não foi alterado. Sem hash, não há garantia técnica.
✓ Auditabilidade dos procedimentos
- É necessário que a coleta seja rastreável, permitindo que qualquer perito reproduza e compreenda o processo.
✓ Documentação completa da cadeia de custódia
- Cada etapa — da apreensão ao armazenamento — deve ser registrada de forma clara, contínua e verificável.
✓ Métodos reprodutíveis e justificáveis
- A extração precisa seguir técnicas aceitas pela comunidade científica e pelas normas internacionais.
A lógica é simples: se a prova digital pode ser manipulada com facilidade, é imprescindível criar barreiras técnicas que assegurem confiabilidade.
O ônus é do Estado — não do acusado
O ministro Paciornik reforçou um ponto essencial para o processo penal:
“No processo penal, a atividade estatal é o objeto do controle de legalidade, e não o parâmetro do controle.”
Em outras palavras, cabe ao Estado demonstrar a confiabilidade da prova. Não se pode exigir do acusado o ônus de provar que o print é frágil, adulterável ou incompleto.
O rigor recai sobre quem produz ou apresenta a prova, especialmente quando ela embasa acusação criminal.
CPC e CPP caminham juntos
O acórdão também fez referência ao art. 422, §1º do CPC, que determina que imagens digitais impugnadas exigem:
- autenticação eletrônica ou prova pericial.
Se o processo civil — onde normalmente não está em jogo a liberdade — já exige esse cuidado, o processo penal deve adotar nível ainda maior de rigor.
a prova digital como ciência, não improviso
O recado do STJ é claro: acabou a era do print como “prova rainha”. A tecnologia avançou, e o Direito precisa acompanhar.
A prova digital exige:
- metodologia,
- documentação,
- ferramentas adequadas,
- e conhecimento técnico-científico.
Improvisações, informalidades e capturas de tela isoladas não atendem mais ao padrão mínimo de confiabilidade exigido pelo processo penal brasileiro.
A decisão consolida, de forma inequívoca, que:
Provas digitais sem hash, sem registro técnico, sem documentação da cadeia de custódia e sem aderência às normas internacionais não têm validade no processo penal.
É um divisor de águas.
É a profissionalização definitiva da prova digital.
E é o fim do uso indiscriminado de prints como base para condenações.
- Fonte: https://www.jusbrasil.com.br/artigos/stj-enterra-a-era-do-print-de-whatsapp-como-prova-penal/5285834984?utm_campaign=newsletter-daily_20251113_14917&utm_medium=email&utm_source=newsletter ↩︎
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Postagem que trás uma importantíssima tomada de decisão, pondo um basta à fragilidade do uso de prints como prova pericial.
Muito obrigado por mais uma excelente contribuição.
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Obrigada
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