Por Silvana de Oliveira – Perita Judicial, Grafotécnica, Especialista em Provas Digitais e Investigação Forense
A expansão dos contratos eletrônicos no setor financeiro aumentou exponencialmente a necessidade de compreender como se formam, se validam e se auditam as evidências digitais que sustentam a manifestação de vontade das partes. Um dos elementos frequentemente discutidos é o endereço de IP, utilizado para registrar o dispositivo responsável pela realização da operação.
Recentemente, a 7ª Câmara Civil do Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJSC) Apelação n. 5006504-12.2022.8.24.0069 analisou a questão com profundidade e firmou um entendimento importante: a divergência na geolocalização do endereço de IP não é, por si só, suficiente para invalidar um contrato eletrônico ou demonstrar fraude.



O Caso: IP divergente e alegação de fraude
O autor, residente em Sombrio (SC), alegava que não havia contratado o empréstimo consignado registrado em seu nome. Para fundamentar a tese de fraude, destacou que o endereço de IP presente no contrato correspondia a outro estado da federação, e não a Santa Catarina. Assim, buscava o reconhecimento da nulidade da contratação, sustentando que essa divergência seria prova da irregularidade da operação.
O entendimento do TJSC: geolocalização não representa localização real
A relatora foi categórica ao explicar que o endereço de IP não funciona como uma “prova de localização” IP não é GPS. Ele identifica um ponto na rede, não a pessoa nem sua localização física .
internet via satélite
O ponto decisivo foi a constatação de que o endereço IP estava associado a uma operadora de internet via satélite, que utiliza estações terrestres hubs ou gateways localizadas em outros estados. Nesses cenários, é natural que a geolocalização do IP retorne uma cidade diferente daquela onde o consumidor reside. No caso concreto, o roteamento passava por Pariquera-Açu (SP), padrão técnico dessa modalidade de serviço. Portanto, a divergência apontada pelo autor não sustentava a tese de fraude, mas era explicável pela própria tecnologia utilizada.
Conjunto probatório: coerência e integridade
O Tribunal destacou que, além do IP, a instituição financeira apresentou elementos que formaram um conjunto coeso, suficiente para demonstrar a regularidade do contrato eletrônico. Assim, o IP divergente foi considerado apenas indício isolado e relativo, incapaz de invalidar, por si só, a operação.
Direito Digital, Perícia e Defesa técnica
Essa decisão reforça premissas fundamentais para quem atua com perícia digital, investigação defensiva e contestações de contratos eletrônicos:
a) A análise de fraude deve ser contextual e multifatorial: Nenhuma evidência digital isolada é capaz de sustentar fraude — IP, localização, dispositivo, cookies, logs e metadados precisam ser examinados em conjunto.
b) O endereço de IP não comprova localização exata: Peritos, advogados e juízes devem evitar conclusões apressadas baseadas apenas em ferramentas de geolocalização.
c) Provedores satelitais e roteamento multirregional geram IPs “fora da região”: Essa informação técnica evita erros de interpretação e falsas suspeitas em processos.
d) Instituições financeiras devem reforçar trilhas de auditoria digital: O caso mostra que, quando a instituição traz logs completos, a prova se torna robusta.
A 7ª Câmara Civil do TJSC firmou uma diretriz importante: a divergência geográfica do IP não é suficiente para anular um contrato eletrônico nem para presumir fraude, especialmente quando explicada pela tecnologia empregada e quando o restante das evidências sustenta a regularidade da operação. O julgamento, unânime, reafirma a necessidade de compreender a complexidade técnica da infraestrutura de redes e a importância de analisar a prova digital sob o prisma da razoabilidade, da contextualização e da integridade da cadeia informacional.
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