Por Silvana de Oliveira – Perita Judicial, Grafotécnica, Especialista em Provas Digitais e Investigação Forense
A recente decisão do juiz Mauricio Mazur, da 2ª Vara do Trabalho de Apucarana (PR), reacendeu um debate sensível no âmbito jurídico: a fronteira entre pesquisa, uso legítimo de precedentes e a apropriação indevida de decisões judiciais. Ao julgar uma demanda trabalhista, o magistrado identificou que o advogado da parte autora incorporou trechos inteiros de sentenças proferidas pelo próprio juiz, sem qualquer forma de citação, referência ou indicação de fonte.
Segundo Mazur, tal prática configurou plágio e representou um “claro abuso” na elaboração da petição inicial, especialmente no tópico relativo ao pedido de indenização por danos morais.
Durante a análise da peça inicial, o juiz observou que diversos argumentos apresentados pelo advogado eram reproduções literais de decisões anteriormente proferidas por ele. Para ilustrar, Mazur citou o número de um dos processos cujo trecho havia sido replicado integralmente.
De forma contundente, registrou:
“O advogado da parte autora apropria-se indevidamente de minha produção intelectual e transforma um provimento jurisdicional em razões de causa de pedir sem qualquer atenuante de citação direta ou indireta.”
Embora sentenças judiciais não estejam protegidas por direitos autorais já que não se equiparam a obras acadêmicas ou literárias o juiz enfatizou que houve abuso na conduta processual: a utilização deliberada e oculta de textos de sua autoria, sem contextualização ou atribuição adequada.
Consequências e determinação de retratação
Diante da constatação, o magistrado concedeu ao advogado prazo de cinco dias para apresentar retratação formal e por escrito. O juiz fundamentou que, mesmo sem proteção autoral, a forma como o texto foi apropriado feria princípios éticos da advocacia e a boa-fé processual.
Caso o prazo não seja cumprido, Mazur anunciou que irá encaminhar o caso ao Tribunal de Ética e Disciplina da OAB, para análise de possível infração profissional.
Advogado pode contestar
Apesar da determinação, o advogado não está impedido de contestar a decisão. Ele poderá recorrer ou apresentar justificativas dentro da via processual adequada, abrindo espaço para discussão sobre os limites entre pesquisa jurisprudencial e plágio.
Por que o caso repercute?
Situações como essa geram debate por envolverem três pilares importantes da atividade jurídica:
1. Ética profissional
A advocacia exige originalidade na construção argumentativa, ainda que baseada em precedentes. O problema não é usar jurisprudência — mas fazê-lo sem transparência, omitindo as fontes e convertendo o texto judicial em argumento como se fosse próprio.
2. Boa-fé processual
O Código de Processo Civil e a legislação trabalhista exigem que todos os participantes do processo atuem de forma ética, leal e transparente. A apropriação indevida pode ser interpretada como tentativa de conduzir o juízo ao erro ou de inflar a fundamentação da causa.
3. Limites do uso de decisões judiciais
Precedentes servem como base argumentativa, mas devem ser citados corretamente. Replicar o texto de uma sentença sem citação pode deturpar seu contexto original — especialmente quando se transforma um provimento jurisdicional em argumento da própria parte.
O caso expõe um ponto sensível da prática forense: a distinção entre pesquisa jurídica legítima e o uso indevido de trechos de decisões. Para muitos profissionais, sentenças são “bens públicos do raciocínio jurídico” e podem ou mesmo devem ser utilizadas para embasar teses. Contudo, a ausência de referência e a apropriação literal levantam questionamentos éticos que não podem ser ignorados.
O desfecho da situação ainda dependerá da postura do advogado e de eventual análise pela OAB. Mas o episódio já serve como alerta sobre responsabilidade intelectual, ética profissional e a importância da transparência no uso de precedentes.
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