A Nova Lei de Custódia e Coleta de Material e os Avanços, Critérios e Impactos no Processo Penal Brasileiro

Por Silvana de Oliveira  Perita Judicial, Grafotécnica, Especialista em Provas Digitais e Investigação Forense.

A recente alteração do Decreto-Lei nº 3.689/1941 (Código de Processo Penal) introduz mudanças relevantes na análise da prisão em flagrante, na conversão em preventiva, nos critérios de aferição de periculosidade e na coleta de material biológico para formação de perfil genético. As modificações buscam conferir maior objetividade às decisões judiciais, fortalecer a cadeia de custódia e aprimorar mecanismos de avaliação de risco, especialmente durante a audiência de custódia. Este artigo analisa cada inovação, seus fundamentos e impactos práticos na persecução penal.

A audiência de custódia evoluiu, nos últimos anos, como instrumento de controle da legalidade e necessidade das prisões. Essa nova lei, ao alterar artigos centrais do Código de Processo Penal, reforça o papel do magistrado na análise fundamentada da prisão preventiva, introduz critérios específicos de periculosidade e regulamenta a coleta de material genético em determinados delitos.

Seu objetivo é reduzir decisões baseadas em abstrações, padronizar condutas e aprimorar procedimentos probatórios alinhados às exigências contemporâneas de segurança pública e direitos fundamentais.

Conversão da Prisão em Flagrante em Preventiva: Novas Circunstâncias

O novo §5º do art. 310 estabelece seis circunstâncias objetivas que recomendam a conversão da prisão em flagrante para preventiva. Não se trata de rol taxativo, mas de parâmetros orientadores.

Critérios introduzidos

  1. Prática reiterada de infrações penais — indica histórico delitivo que aumenta o risco de recidiva.
  2. Violência ou grave ameaça — reforça a proteção à integridade física e psicológica das vítimas.
  3. Liberação anterior em audiência de custódia — busca coibir reincidência pós-soltura, exceto absolvição posterior.
  4. Prática da infração na pendência de investigação ou ação penal — evidencia desprezo ao sistema de justiça.
  5. Fuga ou risco de fuga — essencial para garantir a aplicação da lei penal.
  6. Risco à produção probatória — inclui perturbação do inquérito, instrução ou incolumidade das provas.

Impacto prático

O juiz passa a ter um checklist mínimo que deve ser analisado obrigatoriamente, reduzindo decisões genéricas ou baseadas em gravidade abstrata.

Motivação Estrita na Audiência de Custódia

O §6º do art. 310 reforça que a decisão deve ser motivamente fundamentada, analisando:

  • as circunstâncias do §2º (critérios de legalidade e necessidade),
  • as circunstâncias do §5º (riscos objetivos),
  • os critérios de periculosidade do art. 312, §3º.

Essa exigência reforça o devido processo legal e reduz arbitrariedades, gerando decisões mais transparentes e tecnicamente justificáveis.

Coleta de Material Genético: Novas Regras, Cadeia de Custódia e Perícia

O novo art. 310-A determina a coleta de material biológico (DNA) em casos específicos:

Hipóteses de coleta

  • Crimes com violência ou grave ameaça,
  • Crimes contra a dignidade sexual,
  • Crimes cometidos por agentes ligados a organizações criminosas armadas,
  • Crimes previstos na Lei dos Crimes Hediondos.

Procedimentos de coleta

  • Preferencialmente durante a audiência de custódia,
  • Prazo máximo de 10 dias,
  • Realizada por agente público treinado,
  • Respeitando rigorosamente a cadeia de custódia.

Implicações periciais

A norma dialoga diretamente com a Lei de Identificação Criminal (Lei nº 12.037/2009), exigindo:

  • correto acondicionamento,
  • lacração,
  • registro,
  • rastreabilidade,
  • preservação.

Para peritos, assistentes técnicos ou operadores do direito, cria novas frentes de contestação em caso de falhas procedimentais, especialmente quando a coleta ocorrer de forma improvisada na audiência de custódia.

Aferição da Periculosidade: Novos Critérios Objetivos

O art. 312 ganha um §3º que define parâmetros mensuráveis para aferir periculosidade, afastando opiniões subjetivas.

Parâmetros definidos

  1. Modus operandi — especialmente violência reiterada, grave ameaça e premeditação.
  2. Participação em organização criminosa.
  3. Natureza e quantidade de drogas, armas ou munições apreendidas.
  4. Receio fundamentado de reiteração — analisando inquéritos e ações penais em curso.

Proibição da “gravidade abstrata”

O §4º veda a decretação de preventiva com base apenas na gravidade do crime, exigindo:

  • demonstração concreta da periculosidade,
  • risco real à ordem pública/econômica,
  • risco à instrução,
  • risco à aplicação da lei penal.

Essa mudança alinha o CPP a entendimentos consolidados do STF e STJ.

Audiência de Custódia: Um Novo Cenário Operacional

Com os novos dispositivos:

  • O Ministério Público e a polícia passam a ter dever de requerer a coleta de material genético nos casos previstos.
  • O juiz passa a ter mais critérios obrigatórios a analisar.
  • A defesa pode atuar com mais precisão técnica, questionando:
    • motivação insuficiente,
    • falhas na cadeia de custódia,
    • ausência de critérios objetivos na conclusão de periculosidade,
    • ilegalidade na coleta biológica.

A nova legislação moderniza o processo penal ao introduzir parâmetros objetivos para conversão da prisão em flagrante, ao reforçar a fundamentação judicial e ao estruturar o procedimento de coleta de DNA dentro da cadeia de custódia formal.

Essas alterações diminuem decisões baseadas em subjetivismos, ampliam a segurança jurídica e fortalecem o controle sobre a atividade estatal. Para profissionais que atuam com perícias, provas digitais, cadeia de custódia e análise jurídica, abre-se um campo ainda mais técnico, permitindo maior precisão no questionamento ou na validação dos atos praticados na audiência de custódia e no curso da persecução penal.


 LEI Nº 15.272, DE 26 DE NOVEMBRO DE 20251

Altera o Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941 (Código de Processo Penal), para dispor sobre as circunstâncias que recomendam a conversão da prisão em flagrante em preventiva, sobre a coleta de material biológico para obtenção e armazenamento do perfil genético do custodiado e sobre os critérios para aferição da periculosidade do agente para concessão de prisão preventiva, inclusive quando da audiência de custódia.

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei:

Art. 1º O Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941 (Código de Processo Penal), passa a vigorar com as seguintes alterações:

“Art. 310. …………………………………………………………………………………………………………………..

§ 5º São circunstâncias que, sem prejuízo de outras, recomendam a conversão da prisão em flagrante em preventiva:

I – haver provas que indiquem a prática reiterada de infrações penais pelo agente;

II – ter a infração penal sido praticada com violência ou grave ameaça contra a pessoa;

III – ter o agente já sido liberado em prévia audiência de custódia por outra infração penal, salvo se por ela tiver sido absolvido posteriormente;

IV – ter o agente praticado a infração penal na pendência de inquérito ou ação penal;

V – ter havido fuga ou haver perigo de fuga; ou

VI – haver perigo de perturbação da tramitação e do decurso do inquérito ou da instrução criminal, bem como perigo para a coleta, a conservação ou a incolumidade da prova.

§ 6º A decisão de que trata o caput deste artigo deve ser motivada e fundamentada, sendo obrigatório o exame, pelo juiz, das circunstâncias previstas nos §§ 2º e 5º deste artigo e dos critérios de periculosidade previstos no § 3º do art. 312.” (NR)

“Art. 310-A. No caso de prisão em flagrante por crime praticado com violência ou grave ameaça contra a pessoa, por crime contra a dignidade sexual ou por crime praticado por agente em relação ao qual existam elementos probatórios que indiquem integrar organização criminosa que utilize ou tenha à sua disposição armas de fogo ou em relação ao qual seja imputada a prática de crime previsto no art. 1º da Lei nº 8.072, de 25 de julho de 1990 (Lei dos Crimes Hediondos), o Ministério Público ou a autoridade policial deverá requerer ao juiz a coleta de material biológico para obtenção e armazenamento do perfil genético do custodiado, na forma da Lei nº 12.037, de 1º de outubro de 2009.

§ 1º A coleta de material biológico para a obtenção do perfil genético deverá ser feita, preferencialmente, na própria audiência de custódia ou no prazo de 10 (dez) dias, contado de sua realização.

§ 2º A coleta de material biológico será realizada por agente público treinado e respeitará os procedimentos de cadeia de custódia definidos pela legislação em vigor e complementados pelo órgão de perícia oficial de natureza criminal.”

“Art. 312. …………………………………………………………………………………………………………………..

§ 3º Devem ser considerados na aferição da periculosidade do agente, geradora de riscos à ordem pública:

I – o modus operandi, inclusive quanto ao uso reiterado de violência ou grave ameaça à pessoa ou quanto à premeditação do agente para a prática delituosa;

II – a participação em organização criminosa;

III – a natureza, a quantidade e a variedade de drogas, armas ou munições apreendidas; ou

IV – o fundado receio de reiteração delitiva, inclusive à vista da existência de outros inquéritos e ações penais em curso.

§ 4º É incabível a decretação da prisão preventiva com base em alegações de gravidade abstrata do delito, devendo ser concretamente demonstrados a periculosidade do agente e seu risco à ordem pública, à ordem econômica, à regularidade da instrução criminal e à aplicação da lei penal, conforme o caso.” (NR)

Art. 2º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação. 

Brasília, 26 de novembro de 2025; 204º da Independência e 137º da República.

LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA

Manoel Carlos de Almeida Neto

Este texto não substitui o publicado no DOU de 27.11.2025

  1. Fonte: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2023-2026/2025/lei/L15272.htm ↩︎