Busca e Apreensão e o Critério do Tempo: A Legalidade do Cumprimento Entre 5h e 21h

Por Silvana de Oliveira  Perita Judicial, Grafotécnica, Especialista em Provas Digitais e Investigação Forense.

As ações de busca e apreensão constituem uma das medidas mais sensíveis do sistema processual penal brasileiro, pois envolvem restrição direta a direitos fundamentais, especialmente à inviolabilidade do domicílio1. Por essa razão, sua legalidade depende do estrito cumprimento dos limites constitucionais e legais.

Entre os pontos que mais geram controvérsia está a definição do que se entende por período diurno para fins de cumprimento da diligência, sobretudo quando a defesa tenta vincular a validade do ato à presença de luz solar natural no momento da execução.

A jurisprudência contemporânea, contudo, tem se afastado dessa interpretação literal ou naturalística, consolidando o entendimento de que a validade da busca e apreensão deve ser aferida com base no critério horário objetivo, e não na incidência de luz solar.

Fundamento constitucional e legal

O art. 5º, inciso XI, da Constituição Federal dispõe que:

“A casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial.”

O Código de Processo Penal, por sua vez, ao disciplinar a busca domiciliar, adota critério temporal, e não ambiental, para caracterizar o período diurno.

Embora o CPP, em sua redação clássica, mencione o intervalo entre 6h e 18h, a interpretação contemporânea, orientada pela razoabilidade, pela segurança jurídica e pela evolução social, passou a admitir uma flexibilização desse marco, especialmente diante da mudança dos hábitos urbanos, da dinâmica criminal e da própria organização da atividade policial.

Superação do critério da luz solar

Durante muito tempo, tentou-se sustentar que a busca realizada em ambiente ainda escuro como no início da manhã ou no início da noite violaria a exigência constitucional de cumprimento “durante o dia”.

Essa leitura, entretanto, tem sido progressivamente superada pelos tribunais, que reconhecem que:

  • a incidência de luz solar não é critério jurídico;
  • fatores como estação do ano, localização geográfica e condições climáticas tornariam essa exigência subjetiva e instável;
  • a vinculação à luminosidade comprometeria a previsibilidade e a segurança jurídica das diligências.

Como analogia prática: se o “dia” fosse medido pela luz solar, a legalidade da diligência dependeria mais da meteorologia do que da lei o que é incompatível com o Estado de Direito.

Consolidação do critério horário: entre 5h e 21h

A jurisprudência, especialmente no âmbito do Superior Tribunal de Justiça e dos tribunais estaduais, tem consolidado o entendimento de que:

As ações de busca e apreensão realizadas no intervalo aproximado entre 5h e 21h são consideradas válidas, independentemente da presença de luz solar no momento do cumprimento.

Esse entendimento parte de três premissas fundamentais:

  1. Critério objetivo: o horário é verificável, documentável e não sujeito a interpretações subjetivas;
  2. Finalidade da norma constitucional: evitar abusos noturnos, surpresa excessiva e violação arbitrária da intimidade, e não exigir iluminação natural;
  3. Adequação à realidade social: a vida urbana e institucional não se encerra às 18h, e a atuação estatal precisa dialogar com essa realidade.

Assim, uma busca realizada, por exemplo, às 5h30 da manhã ou às 20h, ainda que em ambiente com baixa luminosidade, não é automaticamente ilícita, desde que amparada por mandado judicial válido e regularmente cumprido.


5. Reflexos práticos na atuação policial e na defesa

Esse entendimento tem impactos diretos:

  • Para a atividade policial, confere maior previsibilidade operacional e reduz o risco de nulidades formais baseadas em critérios imprecisos.
  • Para a advocacia e a perícia, desloca o foco da discussão da luminosidade para aspectos realmente relevantes, como:
    • fundamentação do mandado;
    • delimitação do objeto da busca;
    • respeito à cadeia de custódia;
    • proporcionalidade e execução do ato.

Em outras palavras, a discussão técnica deixa de ser “estava claro ou escuro?” e passa a ser “o ato foi legal, necessário, proporcional e corretamente documentado?”.

As ações de busca e apreensão realizadas entre 5h e 21h devem ser consideradas juridicamente válidas, independentemente da incidência de luz solar no momento do cumprimento, desde que observados os demais requisitos constitucionais e legais.

A adoção do critério horário objetivo representa uma evolução interpretativa coerente com os princípios da segurança jurídica, da razoabilidade e da efetividade da persecução penal, afastando leituras anacrônicas que não dialogam com a realidade contemporânea.

Mais do que discutir a posição do sol no céu, o Direito deve se ocupar da legalidade do poder estatal e da proteção efetiva dos direitos fundamentais.

  1. Fonte: https://www.legjur.com/noticias/5276/stj-mandado-de-busca-e-apreensao-domiciliar-em-peri?utm_source=chatgpt.com ↩︎

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