Sharenting: a exposição digital de crianças e os riscos invisíveis da internet

Por Silvana de Oliveira  Perita Judicial, Grafotécnica, Especialista em Provas Digitais e Investigação Forense

A Irlanda lançou uma campanha nacional de conscientização contra o chamado “sharenting”1 prática cada vez mais comum em que pais ou responsáveis compartilham fotos, vídeos e informações pessoais de seus filhos nas redes sociais. O alerta é direto: postar sobre crianças pode expô-las a riscos reais, muitos deles invisíveis no momento da publicação.

Em um cenário de hiperconectividade, o que para adultos parece um gesto inocente de carinho, orgulho ou registro da infância pode se transformar em material sensível, permanente e fora de controle.

O que é sharenting e por que preocupa?

O termo sharenting resulta da junção das palavras share (compartilhar) e parenting (parentalidade). Ele descreve o hábito de publicar conteúdos envolvendo crianças desde fotos do dia a dia até informações como nome completo, escola, rotina, localização e momentos íntimos.

O problema central não está apenas no ato de compartilhar, mas na perda de controle sobre esses dados. Uma vez publicados, eles podem ser:

  • Copiados e redistribuídos sem consentimento
  • Utilizados em contextos inadequados ou criminosos
  • Armazenados por plataformas e terceiros
  • Explorados para fins de manipulação, fraude ou abuso

A campanha irlandesa chama atenção justamente para esse ponto: a internet não esquece.

Riscos reais, não hipotéticos

O alerta do governo irlandês reforça que os riscos do sharenting não são abstratos. Entre as principais ameaças estão:

  • Violação da privacidade da criança, que não tem capacidade jurídica nem maturidade para consentir
  • Exposição a predadores digitais, especialmente quando há dados de localização ou rotina
  • Uso indevido de imagens, inclusive em contextos ilícitos
  • Criação de uma identidade digital forçada, construída sem a vontade do próprio menor
  • Impactos psicológicos futuros, como constrangimento, bullying ou estigmatização

É como deixar um álbum de família aberto permanentemente em uma praça pública global sem saber quem está olhando, salvando ou usando aquele conteúdo.

A responsabilidade dos adultos na proteção digital

A campanha irlandesa parte de um princípio claro: crianças têm direito à privacidade e à proteção de seus dados, inclusive no ambiente digital. Cabe aos adultos exercerem esse cuidado.

Isso significa refletir antes de postar e se perguntar:

  • Essa imagem ou informação é realmente necessária de ser publicada?
  • Estou protegendo ou expondo meu filho?
  • Eu aceitaria que esse conteúdo existisse sobre mim no futuro?

A proteção da infância não se limita ao mundo físico. Hoje, ela passa, inevitavelmente, pelo uso ético, consciente e responsável das redes sociais.

Um alerta que vai além da Irlanda

Embora a campanha seja irlandesa, a mensagem é universal. Em tempos de monetização de perfis, superexposição e busca por validação digital, o debate sobre sharenting torna-se urgente em qualquer país.

Mais do que proibir, a iniciativa busca educar, prevenir e conscientizar: compartilhar menos pode significar proteger mais. No fim, a pergunta que fica é simples, mas poderosa: quem está sendo beneficiado com essa postagem o adulto ou a criança?

  1. Fonte: https://www.dataprotection.ie/en/children?utm_source ↩︎

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