Entre a sentença e o resultado: execução, prova digital e a efetividade da arbitragem

Por Silvana de Oliveira  Perita Judicial, Grafotécnica, Especialista em Provas Digitais e Investigação Forense

Ganha, mas não leva: a execução da sentença arbitral e a fragilidade da prova como gargalos da efetividade da arbitragem no Brasil

A arbitragem consolidou-se no Brasil como um dos principais mecanismos extrajudiciais de solução de conflitos, especialmente em disputas empresariais, contratuais e patrimoniais. Celeridade, especialização técnica e autonomia das partes são frequentemente apontadas como suas maiores virtudes. No entanto, um velho paradoxo ainda persiste: ganha-se na arbitragem, mas nem sempre se leva.

Esse cenário é retratado pela pesquisa “Cumprimento de sentença arbitral: um retrato do STJ, dos TRFs e do TJ-RJ”, promovida pela FGV Justiça1, que analisou decisões proferidas entre 2015 e julho de 2025. O estudo evidencia que a execução da sentença arbitral permanece como um dos principais entraves à efetividade prática desse instituto.

Contudo, a dificuldade não se limita à fase executiva. Em muitos casos, o problema se manifesta antes mesmo da sentença, na forma como a prova especialmente a prova digital é produzida, preservada e utilizada no procedimento arbitral.

A força executiva existe, mas encontra obstáculos

Do ponto de vista normativo, não há dúvidas: a sentença arbitral possui força de título executivo judicial, nos termos da Lei nº 9.307/1996. O problema não está no reconhecimento abstrato dessa força, mas na sua concretização.

A pesquisa demonstra que fatores como questões processuais, legitimidade das partes, interpretação restritiva de pedidos e, sobretudo, a duração dos processos acabam esvaziando a promessa de eficiência que sustenta a arbitragem. A esses elementos soma-se um fator cada vez mais recorrente: a fragilidade probatória, que contamina o procedimento e compromete a própria executividade da decisão.

O retrato do STJ: técnica apurada, mas tempo elevado

No Superior Tribunal de Justiça foram identificados 27 acórdãos relacionados ao cumprimento de sentença arbitral. O STJ atua, majoritariamente, como instância de definição técnica, enfrentando temas como:

  • aplicação da multa de 10% por inadimplemento;
  • fixação de honorários advocatícios;
  • contagem de prazos para pagamento voluntário.

Apesar da consistência técnica das decisões, o tempo de tramitação chama atenção: em média, dois anos para julgamento, podendo alcançar até sete anos. Para um mecanismo que se apresenta como célere, esse lapso temporal representa significativo fator de frustração, sobretudo quando a execução é precedida por controvérsias sobre a validade da prova que fundamentou a sentença.

Justiça Federal: o problema não é a arbitragem, mas a legitimidade

Nos Tribunais Regionais Federais, o cenário é mais crítico à primeira vista. Dos 59 processos analisados, apenas 4% tiveram o cumprimento da sentença arbitral deferido, com tempo médio de tramitação próximo a quatro anos.

A pesquisa esclarece, porém, que a baixa taxa de deferimento não decorre de resistência institucional à arbitragem, mas da natureza dos pedidos, em sua maioria formulados por árbitros ou câmaras arbitrais para liberação de FGTS e seguro-desemprego, hipóteses em que se reconhece a ilegitimidade ativa.

Esse dado revela um problema estrutural que dialoga diretamente com a temática probatória: a inadequada compreensão dos limites subjetivos e objetivos da atuação arbitral, o que gera judicialização desnecessária e retarda o resultado útil do processo.

TJ-RJ: maior equilíbrio e maior aderência à prática contratual

O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro apresenta um panorama mais equilibrado. Dos 53 casos analisados, 46% resultaram no deferimento do cumprimento da sentença arbitral, com tempo médio de tramitação de pouco mais de um ano.

Cerca de 40% dos casos envolvem ações de despejo, especialmente em contratos de locação com cláusula compromissória, muitos firmados por plataformas digitais. Esse dado é relevante, pois evidencia o aumento de litígios sustentados por provas digitais, cuja qualidade técnica passa a ser decisiva tanto para a sentença quanto para sua execução.

Quando o problema antecede a sentença: a prova mal produzida

Em paralelo às dificuldades da execução, cresce um fenômeno que merece atenção crítica: a produção deficiente da prova, especialmente no ambiente digital. Prints de tela, mensagens extraídas sem metodologia técnica, ausência de hash, inexistência de cadeia de custódia e falta de documentação do procedimento de coleta são frequentemente utilizados como se fossem provas robustas.

Na prática, isso desloca o foco do litígio. O debate deixa de ser o direito material e passa a ser a validade da prova, gerando:

  • pedidos de tutela cautelar antecedente para preservação de dados;
  • tutelas de urgência para produção antecipada de prova digital;
  • judicialização para preservação de logs, e-mails, servidores e metadados.

O paradoxo é evidente: a arbitragem, pensada como alternativa ao Judiciário, passa a depender dele para garantir a própria prova que a sustenta.

Ação anulatória e provas imprestáveis: nulidade e anulabilidade

A consequência mais grave da prova mal produzida é a ação anulatória da sentença arbitral ou dos atos probatórios que a fundamentaram. Provas obtidas sem observância de critérios técnicos, legais e procedimentais podem ser consideradas:

  • nulas, quando violam normas essenciais, como a ilicitude da obtenção ou a quebra da cadeia de custódia;
  • anuláveis, quando apresentam vícios que comprometem a confiabilidade, o contraditório ou a ampla defesa.

Nesses casos, a sentença arbitral torna-se vulnerável, não apenas à anulação, mas também à resistência em sua execução, prolongando o litígio e esvaziando o ganho prático obtido na fase decisória.

O verdadeiro paradoxo da efetividade

A pesquisa da FGV Justiça confirma que a arbitragem funciona bem até a porta do Judiciário. A análise da prova digital revela algo ainda mais profundo: muitos procedimentos arbitrais já chegam fragilizados à sentença, em razão de falhas probatórias que poderiam ser evitadas. Assim, o problema da efetividade não começa na execução. Ele começa na origem da prova.

A arbitragem no Brasil amadureceu, mas sua efetividade depende de dois pilares indissociáveis: uma prova tecnicamente válida e uma execução eficiente. Enquanto a produção probatória especialmente a digital continuar sendo tratada de forma informal, o risco de judicialização, anulação e ineficácia permanecerá alto.

O sistema não pode se contentar com decisões tecnicamente corretas se elas se apoiam em provas frágeis ou se tornam inexequíveis. Caso contrário, o desfecho continuará sendo o mesmo: o jurisdicionado ganha no papel, mas não leva na prática.

  1. Fonte: https://www.conjur.com.br/2025-dez-22/execucao-de-sentenca-e-um-dos-principais-entraves-a-efetividade-da-arbitragem/ ↩︎

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