Por Silvana de Oliveira – Perita Judicial, Grafotécnica, Especialista em Provas Digitais e Investigação Forense

O uso massivo de aplicativos de mensagens transformou a forma como as pessoas se comunicam, mas também ampliou o alcance de conflitos interpessoais e profissionais. O que muitos ainda encaram como “brincadeira”, desabafo ou discussão informal pode, na prática, configurar ato ilícito indenizável, especialmente quando há exposição pública e ofensa à honra.
Esse entendimento foi reafirmado pela 17ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJ-MG), que decidiu, de forma unânime, majorar de R$ 3 mil para R$ 101 mil a indenização por danos morais devida a um vendedor autônomo alvo de ofensas em grupo de aplicativo de mensagens (Processo nº 1.0000.25.261598-4/001).
O caso concreto
O autor da ação atua como vendedor ambulante em uma cidade do interior de Minas Gerais. Segundo os autos, as ofensas tiveram início após um desentendimento relacionado a um serviço de transporte de mercadorias.
Em razão do conflito, o réu passou a enviar áudios ofensivos, com palavras de baixo calão, em um grupo de aplicativo composto por mais de 180 participantes, rotulando o autor como “mau pagador”. A conduta extrapolou o âmbito privado e atingiu diretamente a reputação profissional do vendedor, gerando prejuízos à sua imagem perante fornecedores e colegas de trabalho.
Em cidades pequenas, como bem observou o Tribunal, a credibilidade comercial não é mero detalhe: trata-se de um verdadeiro ativo profissional, essencial para a compra de mercadorias a prazo e para a manutenção da atividade econômica.
Liberdade de expressão e limites jurídicos
Em sua defesa, o réu alegou inexistência de ato ilícito indenizável, sustentando que não haveria comprovação dos danos. Contudo, em primeira instância, o juízo reconheceu a ilicitude da conduta, especialmente porque o próprio réu confessou o envio dos áudios ofensivos, fixando a indenização em R$ 3 mil.
Inconformado, o autor recorreu pleiteando a majoração do valor. Ao analisar o recurso, o relator, desembargador Roberto Soares de Vasconcellos Paes, foi enfático ao afirmar que:
a liberdade de expressão não autoriza ataques à honra e à dignidade alheias.
Segundo o magistrado, o dano à imagem decorre do próprio fato da ofensa pública, sendo presumido, sobretudo quando disseminado em grupo numeroso. Considerando o contexto local, a repercussão social e a dependência da credibilidade profissional do autor, a indenização foi elevada para R$ 10 mil, com acompanhamento unânime dos demais desembargadores.
A importância da preservação da prova digital
Além de reforçar os limites da liberdade de expressão no ambiente digital, o caso chama atenção para um aspecto fundamental: a preservação adequada da prova digital.
Em disputas envolvendo aplicativos de mensagens, a prova não está em documentos físicos, mas em dados digitais voláteis, como áudios, mensagens e registros de grupos, que podem ser facilmente apagados, editados ou manipulados. A simples existência do conteúdo ofensivo não basta é necessário comprovar sua autenticidade, integridade e autoria.
Um equívoco recorrente é confiar exclusivamente em prints de tela. Embora úteis como indício, eles não asseguram, por si só, a confiabilidade técnica da prova, especialmente quando impugnados pela parte contrária.
Cadeia de custódia e integridade da prova
A prova digital eficaz deve observar critérios técnicos semelhantes aos da prova material, com destaque para a cadeia de custódia. Isso envolve:
- extração do conteúdo diretamente do dispositivo ou da conta do aplicativo;
- preservação dos metadados (datas, horários, identificadores);
- registro do procedimento de coleta;
- uso de mecanismos de verificação de integridade (hash);
- documentação de todos os atos praticados sobre a prova.
Em termos práticos, não basta apresentar o áudio ofensivo: é preciso demonstrar que ele permaneceu íntegro desde a coleta até sua apresentação em juízo.
Reflexos processuais da prova bem preservada
A correta preservação da prova digital:
- fortalece a convicção do magistrado;
- reduz riscos de nulidade ou desconsideração da prova;
- dificulta alegações genéricas de adulteração;
- permite atuação técnica segura de peritos e assistentes técnicos;
- contribui para a adequada quantificação do dano moral.
No caso analisado, a confissão do réu facilitou o reconhecimento da conduta ilícita. Em muitos outros, contudo, a ausência de prova técnica adequada pode inviabilizar não apenas a majoração da indenização, mas o próprio reconhecimento do direito.
O julgamento do TJ-MG deixa uma mensagem clara: ofensas em ambientes digitais não são inofensivas e podem gerar consequências jurídicas relevantes. Ao mesmo tempo, evidencia que a efetiva responsabilização depende de dois pilares indissociáveis: a gravidade do conteúdo ofensivo e a qualidade da prova digital que o comprova.
Áudios, mensagens e Emojis não estão fora do alcance da responsabilidade civil. Pelo contrário: deixam rastros, provas e impactos mensuráveis, sobretudo quando atingem a imagem profissional de alguém. Em tempos de comunicação instantânea e exposição ampliada, preservar corretamente a prova digital não é formalismo é estratégia processual, garantia do contraditório e instrumento de justiça.
- Fonte: https://www.conjur.com.br/2025-dez-25/envio-de-audios-ofensivos-em-grupo-de-aplicativo-gera-dever-de-indenizar/ ↩︎
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