Por Silvana de Oliveira – Perita Judicial, Grafotécnica, Especialista em Provas Digitais e Investigação Forense

O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) aprovou recomendação de grande relevância para o fortalecimento da cultura da autocomposição no Judiciário brasileiro: a possibilidade de os tribunais regulamentarem a atuação dos oficiais de justiça como incentivadores da conciliação durante o cumprimento de mandados judiciais. A decisão permite que esses servidores informem as partes sobre a viabilidade de acordo e registrem, nos autos, eventuais propostas de autocomposição apresentadas.
A medida decorre da Consulta nº 0003903-96.2025.2.00.00001, formulada por associações representativas dos oficiais de justiça, e teve como relatora a conselheira Mônica Nobre. O voto foi aprovado por maioria na 17ª Sessão Virtual de 2025, encerrada em 19 de dezembro, sinalizando um entendimento institucional amadurecido sobre o papel estratégico desses profissionais no acesso à Justiça.
Limites bem definidos: incentivo não é mediação
Um ponto central da decisão é a clara delimitação de competências. O CNJ reafirmou que os oficiais de justiça não podem atuar como conciliadores ou mediadores, o que inclui conduzir negociações, realizar reuniões presenciais ou virtuais, sugerir soluções ou intervir ativamente no conflito. Essas atividades permanecem restritas aos profissionais legalmente habilitados, em consonância com o marco normativo vigente.
Esse cuidado não é meramente formal. Conforme parecer técnico do Comitê Gestor de Conciliação, permitir que servidores responsáveis pelo cumprimento de ordens judiciais assumam funções típicas de mediação poderia comprometer princípios essenciais, como a imparcialidade, a confidencialidade e a própria credibilidade do procedimento consensual.
O papel do oficial de justiça como agente de informação qualificada
O avanço está justamente no reconhecimento de que o oficial de justiça, por estar na linha de frente do contato com as partes, ocupa posição estratégica para informar e estimular a autocomposição — sem jamais conduzi-la. Na prática, funciona como um elo institucional: alguém que esclarece a possibilidade de acordo e certifica, nos autos, a manifestação espontânea das partes.
É como abrir uma porta, sem empurrar ninguém para atravessá-la. A proposta pode surgir de qualquer das partes e será apenas registrada, garantindo transparência, rastreabilidade e respeito ao devido processo legal.
Necessidade de regulamentação pelos tribunais
A recomendação do CNJ também deixa claro que a atuação dos oficiais de justiça como incentivadores da conciliação deverá ser expressamente regulamentada pelos tribunais. Caberá a cada corte definir protocolos objetivos, padronizar procedimentos e orientar seus servidores, evitando interpretações extensivas ou atuações que ultrapassem os limites estabelecidos.
Essa regulamentação é essencial para assegurar segurança jurídica, uniformidade de atuação e proteção tanto das partes quanto dos próprios oficiais de justiça.
Impactos práticos e sistêmicos
A decisão dialoga diretamente com a política judiciária de tratamento adequado dos conflitos e com a busca por maior eficiência do sistema de Justiça. Ao permitir que propostas de autocomposição sejam registradas já no momento do cumprimento do mandado, reduz-se o tempo de tramitação, evitam-se atos processuais desnecessários e fortalece-se a cultura do consenso.
Mais do que ampliar atribuições, o CNJ reconhece a importância do oficial de justiça como agente de pacificação social sem romper as balizas legais e éticas que estruturam o processo judicial.
Em síntese, trata-se de um avanço institucional equilibrado: valoriza-se a capilaridade do Judiciário, preservam-se as garantias processuais e reforça-se a autocomposição como caminho legítimo e seguro para a resolução de conflitos.
- Fonte: https://www.cnj.jus.br/oficiais-de-justica-poderao-registrar-proposta-de-conciliacao-ao-cumprir-mandados/ ↩︎
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