Por Silvana de Oliveira – Perita Judicial, Grafotécnica, Especialista em Provas Digitais e Investigação Forense
Os Juizados Especiais Cíveis (JECs), instituídos pela Lei nº 9.099/951, foram criados com a proposta de facilitar o acesso à Justiça, especialmente em causas de menor complexidade e valor. No entanto, essa informalidade procedimental não pode servir como justificativa para o esvaziamento das garantias fundamentais das partes, principalmente no que diz respeito à integridade e confiabilidade das provas.
Lei dos Juizados Especiais Cíveis não trata expressamente da cadeia de custódia da prova, mas isso não significa que ela seja dispensada nesses processos. Pelo contrário — a preservação da integridade da prova é uma exigência implícita dentro dos princípios que regem o processo civil como um todo.
- Art. 5º O Juiz dirigirá o processo com liberdade para determinar as provas a serem produzidas, para apreciá-las e para dar especial valor às regras de experiência comum ou técnica.
- Art. 28. Na audiência de instrução e julgamento serão ouvidas as partes, colhida a prova e, em seguida, proferida a sentença.
- Art. 35. Quando a prova do fato exigir, o Juiz poderá inquirir técnicos de sua confiança, permitida às partes a apresentação de parecer técnico.
✅ A cadeia de custódia é obrigatória por princípios constitucionais e pela aplicação subsidiária do CPC, ainda que a Lei 9.099/95 não fale o termo expressamente.
🚫 A informalidade no JEC não autoriza o uso de prova sem controle de autenticidade, especialmente em litígios com documentos digitais.
Neste contexto, a cadeia de custódia da prova – conceito tradicionalmente associado à seara criminal – ganha cada vez mais espaço também no âmbito cível, inclusive nos Juizados Especiais. A crescente utilização de provas digitais e a possibilidade de falsificações e manipulações exigem atenção redobrada à rastreabilidade da evidência apresentada. A Resolução CNJ nº 408/20212, ao estabelecer diretrizes nacionais para a coleta, preservação e análise de provas digitais, constitui parâmetro técnico-jurídico válido e aplicável também no âmbito dos Juizados Especiais.
O que é Cadeia de Custódia?
A cadeia de custódia é o conjunto de procedimentos utilizados para documentar a preservação, manipulação, transporte, armazenamento e apresentação de uma prova, garantindo que ela permaneça íntegra, autêntica e fidedigna desde sua coleta até sua utilização no processo judicial.
Embora normatizada de forma expressa no Código de Processo Penal (arts. 158-A a 158-F, incluídos pela Lei nº 13.964/20193), o conceito é perfeitamente aplicável por analogia ao processo cível, conforme reconhecido por diversos tribunais e doutrinadores.
A Cadeia de Custódia nos Juizados Especiais Cíveis
No JEC, a simplicidade do rito não exclui o dever de respeito aos princípios do contraditório, ampla defesa e devido processo legal. A apresentação de provas frágeis, sem origem confiável, pode comprometer o resultado da demanda e gerar injustiças processuais. É cada vez mais comum que partes apresentem:
- Capturas de tela de conversas em WhatsApp;
- E-mails, áudios ou vídeos sem metadados;
- Fotos e documentos digitalizados sem autenticação;
- Comprovantes bancários ou faturas extraídos de sites, muitas vezes editáveis.
Nestes casos, é imprescindível verificar se a parte que produziu a prova adotou medidas para preservar sua integridade e demonstrar sua origem.
Quando a prova apresentada aparenta ter sido manipulada, extraída de forma parcial ou sem respaldo técnico, é cabível a impugnação com base na ausência de cadeia de custódia.
Boas Práticas para Apresentação de Provas Digitais no JEC
- 📁 Extrair os dados com ferramentas forenses ou de preservação digital;
- 📌 Utilizar hash (SHA-256, MD5) como identificador único da prova;
- 📜 Fazer registros em Blockchain ou ata notarial;
- 🔒 Evitar edições ou recortes que alterem o contexto;
- 📂 Apresentar os metadados e laudo técnico de validação.
A cadeia de custódia não é um luxo reservado a processos criminais complexos. Ela é uma exigência lógica e ética de qualquer sistema judicial que pretenda assegurar decisões justas e baseadas em provas confiáveis — inclusive (e especialmente) no Juizado Especial Cível, onde a informalidade não pode ser sinônimo de fragilidade probatória. Promover a correta preservação da cadeia de custódia é proteger o direito das partes, valorizar o trabalho técnico-pericial e fortalecer a confiança nas decisões judiciais.
- Lei dos Juizados Especiais Cíveis (Lei 9.099/1995) https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9099.htm ↩︎
- Resolução CNJ nº 408/2021 https://atos.cnj.jus.br/atos/detalhar/3735 ↩︎
- Código de Processo Penal (arts. 158-A a 158-F, incluídos pela Lei nº 13.964/2019) https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2019/lei/l13964.htm ↩︎
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