A importância do perito criminal na preservação de vestígios digitais e sua relação com o art. 6º do CPP

Por Willian Freitas Núncio

Especialista em provas digitais no processo penal, perito cadastrado no TJRS, membro da Academia de Forense Digital (AFD), graduado em Análise e Desenvolvimento de Sistema, Pós graduado em Direito Probatório no Processo Penal pela Escola de Magistratura Federal do Paraná, Pós em Forense Digital e Investigação Cibernética, Pós em Perícia e Crimes Digitais, possui ampla formação técnica e jurídica, colaborador em casos de grande repercussão com o Professor e Perito Lorenzo Parodi, além de colaborador na elaboração do livro Perícia Defensiva em Provas Digitais no Processo Penal publicado pela editora Revista dos Tribunais.

Este artigo pretende demonstrar a importância da presença do perito criminal frente as operações de busca e apreensão de vestígios digitais, realizadas pela polícia judiciária. Com base no Código de Processo Penal e normas orientadoras, espera-se esclarecer a importância do cumprimento do art.6º, inciso I e II do CPP, de forma a preservar a idoneidade do vestígio coletado.

Palavras-Chave: busca e apreensão; vestígio; perito criminal; integridade, idoneidade

Introdução

O papel do perito criminal no processo penal brasileiro é de fundamental relevância, especialmente no momento inicial da persecução penal, ou seja, durante a fase investigatória. O artigo 6º do Código de Processo Penal (CPP)dispõe sobre as providências que devem ser tomadas pela autoridade policial assim que tiver conhecimento da ocorrência de uma infração penal. Dentre os incisos desse artigo, destacam-se os incisos I e II, que têm conexão direta coma atuação do perito criminal.
O artigo 6º do CPP estabelece:

Logo que tiver conhecimento da prática da infração penal, a autoridade policial deverá:

  • I – dirigir-se ao local, providenciando para que não se alterem o estado e conservação das coisas, até a chegada dos peritos criminais;
  • II – apreender os objetos que tiverem relação com o fato, após liberados pelos peritos criminais.”

Ao atender uma ocorrência, a autoridade deve preservar as evidências digitais sem alterá-las até a chegada do perito criminal. A perícia digital exige cuidado extremo: desligar aparelhos corretamente, isolar redes, criar imagens forenses bit a bit. Qualquer alteração, automática ou manual, por menor que seja — atualização de app, sincronização automática, acesso a mensagens, imagens — podem comprometer a integridade e integralidade das provas digitais, afetando a sua confiabilidade e credibilidade.

Esses dispositivos legais previstos no CPP, evidenciam a importância da perícia criminal desde os primeiros momentos da investigação. Em crimes envolvendo tecnologia digital, essa precaução torna-se ainda mais vital, pois o manuseio inadequado de smartphones, computadores e mídias digitais podem destruir/alterar vestígios essenciais. A atuação rápida e técnica dos peritos é essencial para garantir que as provas materiais do crime sejam corretamente identificadas e preservadas.

A perícia e a função do perito criminal

A perícia oficial criminal, é regulada no Brasil pela lei 12.030/2009, na qual é assegurada autonomia técnica, científica e funcional, exigido concurso público, com formação acadêmica específica, para o provimento do cargo de perito oficial.

O perito criminal é um profissional técnico-científico, com graduação em nível superior, responsável por realizar exames periciais que visam esclarecer aspectos materiais do delito. Ele atua em diversas áreas da criminalística, como balística, local de crime, documentoscopia, informática forense, entre outras. Sua função é produzir prova técnica imparcial que auxilie a autoridade policial, o Ministério Público, a defesa e o Judiciário na compreensão dos fatos. Suas conclusões, agregam credibilidade científica, retratando a realidade dos fatos, garantindo uma abordagem isenta e desvinculada de qualquer direcionamento acusatório. Ao realizar exames no local do crime, em objetos apreendidos ou em vestígios diversos, o perito contribui para a reconstrução da dinâmica do delito e para a identificação de autoria e materialidade.

2.1. Inciso I – Preservação do local de crime

A diretriz do inciso I é clara: a autoridade policial deve preservar o local do crime até a chegada dos peritos. Isso porque qualquer alteração indevida pode comprometer os vestígios e, consequentemente, prejudicar a produção aprova técnica. A perícia no local de crime tem por objetivo observar a cena como ela se apresenta, coletar vestígios, realizar medições, fotografias e outras atividades técnicas que possibilitem uma análise detalhada dos fatos. Portanto, preservação do local é crucial para garantir a veracidade e a confiabilidade do laudo pericial.


2.2. Inciso II – Apreensão de objetos após liberação dos peritos

O inciso II do artigo 6º reforça que a apreensão de objetos relacionados ao crime deve ser feita apenas após a liberação dos peritos. Isso ocorre para assegurar que os vestígios sejam analisados, preservando seu estado original, evitando contaminações, alterações ou perdas de informações por manuseio incorreto. A liberação dos objetos pelos peritos ocorre após a realização dos exames necessários para preservar sua autenticidade, integridade, integralidade e confiabilidade. A apreensão prematura, desprovida de quaisquer cuidados relativos a procedimentos técnicos de preservação, pode comprometer a investigação e resultar na nulidade de provas posteriormente.

3. Flexibilização da prova pericial

Willy Hauffe, presidente da APCF, destacou a importância da perícia oficial e advertiu contra a “flexibilização da prova pericial”. Segundo ele, conceder poderes técnicos a qualquer policial — como o chamado “laudo investigativo” — ameaça a imparcialidade e pode comprometer a cadeia de custódia digital. A APCF também reforçou que a perícia oficial é guardiã da ciência e da legalidade, essencial para um estado democrático de direito. A perícia digital, ao utilizar técnicas científicas rigorosas, garante direitos fundamentais como ampla defesa e contraditório no ambiente eletrônico. É por isso que os incisos I e II do art. 6º do CPP assumem nova relevância em crimes digitais: garantem que as ferramentas técnicas do perito sejam aplicadas antes que as provas sejam tocadas. Assim, reforça-se a imparcialidade e confiabilidade do processo tecnológico no âmbito judicial.

3.1. Por que isso importa?

  • Integridade da prova digital: A preservação evita a modificação automática ou manual de dados e assegura que o perito extraia informações como estavam no momento do crime, replicáveis em laboratório.
  • Prevenção de contaminação e nulidade: Quando qualquer outro agente apreende dispositivos sem a presença de perito oficial, cresce o risco de invalidar provas por vício de procedimento.
  • Combate a vieses de confirmação: A perícia oficial, isenta, imparcial e equidistante das partes, destrói narrativas baseadas em suposições ou provas frágeis, em favor de revelações técnicas cujas conclusões decorrem do dado empírico.
  • Garantia de justiça e proteção de inocentes: Hauffe e a APCD estacam, a perícia oficial assegura que ninguém seja condenado em “fundamento científico”, protegendo tanto vítimas quanto acusados.

Conclusão
A atuação do perito criminal, nos termos dos incisos I e II do artigo 6º do CPP, é indispensável para garantir a lisura, a efetividade e a legalidade da produção da prova pericial. A perícia técnica-científica representa um pilar importante da busca pela verdade real, contribuindo de forma decisiva para a elucidação dos crimes. Ao flexibilizar a perícia de modo a desprezar a presença do perito criminal, presenciamos cada vez mais nulidades no processo penal em relação a prova digital. A função de perito oficial criminal não deve ser usurpada pela polícia judiciária. Uma possível flexibilização disso, pode levar anualidades de provas digitais no processo penal.
Ao assegurar a preservação do local do crime e a correta apreensão dos vestígios digitais (celulares, computadores) relacionados ao fato delituoso, o sistema de justiça criminal fortalece sua base probatória e amplia suas possibilidades de alcançar decisões justas e fundamentadas. O perito criminal, portanto, é figura central na construção dessa verdade, atuando como agente técnico da justiça e da legalidade.

Agradecimentos
Gostaria de agradecer primeiramente a Deus, grande arquiteto do universo, ao professor e perito Renan Cavalheiro – CEO da Academia de Forense Digital, ao ilustre professor, perito e amigo Lorenzo Parodi, o qual me ensinou com paciência os mais sutis detalhes da perícia no âmbito criminal e ao amigo parceiro de trabalho Antônio dos Santos Junior, CEO da iChase Forensics pela oportunidade de colaborar com análises técnicas em diversos casos periciais.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS