União Estável sem Morar Juntos: O Amor que a Justiça Reconhece

Por Silvana de Oliveira  Perita Judicial, Grafotécnica, Especialista em Provas Digitais e Investigação Forense

A Possibilidade de Reconhecimento da União Estável sem Coabitação e sem Contrato Escrito no Direito Brasileiro

A sociedade contemporânea apresenta múltiplas formas de organização afetiva, o que exige do Direito uma interpretação mais flexível e compatível com a realidade social. Um exemplo relevante é a União Estável, prevista no artigo 1.7231 do Código Civil, que a define como:

“Entidade familiar configurada pela convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família.”

Essa definição evidencia que o núcleo central da união estável é a intenção de constituir família, e não necessariamente a coabitação ou a formalização contratual.

O mito da coabitação como requisito essencial

Tradicionalmente, associava-se a união estável à convivência sob o mesmo teto, como se a coabitação fosse um elemento indispensável à sua configuração. Contudo, a realidade das relações afetivas demonstra que muitos casais optam por manter domicílios distintos por questões profissionais, familiares, logísticas ou mesmo por preferência pessoal.

Embora a coabitação possa ser um forte elemento probatório, a sua ausência não inviabiliza, por si só, o reconhecimento da união estável. Essa interpretação encontra respaldo sólido na jurisprudência.

Jurisprudência e posicionamento dos tribunais

A Justiça brasileira vem consolidando o entendimento de que o artigo 1.723 do Código Civil não exige coabitação como requisito essencial. O foco é a comprovação de elementos como publicidade, continuidade, durabilidade e intuito de constituir família.

Alguns julgados exemplificam essa posição:

  • TJMG – Processo nº 0003964-18.2016.8.13.0417 (j. 24/08/2023): Reconheceu que a convivência sob o mesmo teto não é indispensável. O tribunal enfatizou que o essencial é demonstrar afetividade, estabilidade e ostentabilidade da relação.
  • TRF da 3ª Região: Reconheceu união estável em caso em que as partes possuíam endereços distintos, destacando que a coabitação não é prevista como requisito legal e, portanto, sua ausência não afasta o vínculo familiar, desde que comprovada a intenção de constituir família.
  • STJ – AgRg no AREsp 649786/GO (j. 04/08/2015): Reafirmou que a coabitação não constitui requisito necessário para a configuração da união estável, sendo imprescindível a demonstração de outros elementos caracterizadores, como a comunhão de vida e o projeto familiar.
  • TJGO – Processo nº 5247597-69.2021.8.09.0021 (j. 05/05/2023): Reconheceu a união estável sem convivência sob o mesmo teto, desde que presentes os requisitos de estabilidade, publicidade e continuidade.

A ausência de contrato escrito

A inexistência de um contrato escrito de união estável também não impede seu reconhecimento judicial. A formalização por instrumento público ou particular é facultativa e serve apenas para facilitar a prova e regulamentar efeitos patrimoniais.

Na prática, o reconhecimento judicial pode se dar por meio de provas documentais, testemunhais e circunstanciais, como:

  • Fotografias e registros em redes sociais;
  • Declarações conjuntas em órgãos públicos ou privados;
  • Dependência em planos de saúde;
  • Contas bancárias conjuntas;
  • Comprovação de apoio financeiro mútuo;
  • Testemunhas que confirmem a relação pública e duradoura.

Diante do cenário jurídico e jurisprudencial atual, é possível afirmar com segurança que a ausência de coabitação e de contrato escrito não impede o reconhecimento da união estável no Brasil. O que realmente importa, à luz do artigo 1.723 do Código Civil e das decisões dos tribunais, é a demonstração de que existe uma relação pública, contínua e duradoura, pautada pelo objetivo de constituir família. Assim, o Direito acompanha a evolução social e reconhece que o conceito de família vai além da residência compartilhada, valorizando a essência do vínculo afetivo e o projeto de vida em comum, independentemente de onde cada parceiro durma ao final do dia.

Fonte: https://www.instagram.com/drarenatacaetanoadv

  1. artigo 1.723 do Código Civil https://goo.su/5UcA0 ↩︎