Por Silvana de Oliveira – Perita Judicial, Grafotécnica, Especialista em Provas Digitais e Investigação Forense
A arbitragem brasileira se consolidou como um mecanismo célere e técnico para solução de controvérsias. Nesse cenário, o Art. 22 da Lei nº 9.307/19961 ocupa posição central ao conferir ao árbitro — ou ao tribunal arbitral — amplo poder instrutório para colher provas, determinar diligências e formar seu convencimento com autonomia. A lógica é simples: quanto mais flexível for a busca da verdade, maior a efetividade da decisão arbitral.
Ao mesmo tempo, a revolução tecnológica trouxe novos desafios: provas digitais, metadados, blockchain, registros em nuvem, logs de sistemas e outros elementos que exigem análise técnica, cadeia de custódia e metodologias específicas. Hoje, ignorar tais elementos significa comprometer a confiabilidade do procedimento.
O Poder Instrutório do Árbitro (Art. 22 da Lei 9.307/96)
O Art. 22 estabelece:
“Poderá o árbitro ou o tribunal arbitral tomar o depoimento das partes, ouvir testemunhas e determinar a realização de perícias ou outras provas que julgar necessárias, mediante requerimento das partes ou de ofício.”
Esse dispositivo legitima uma verdadeira cláusula geral de instrução, na prática, significa que o árbitro:
- Não é refém da iniciativa das partes.
- Pode solicitar documentos, perícias e diligências por entender relevantes para o processo.
- Tem liberdade para conduzir a fase probatória com maior flexibilidade que o juiz estatal.
- Atua com poder equivalente ao de um magistrado no campo probatório.
Por que isso é tão importante na arbitragem?
Porque a natureza contratual e técnica do procedimento exige:
- Celeridade;
- Eficiência;
- Menor formalismo;
- Adequação ao tipo de conflito — muitas vezes altamente especializado (societário, digital, construção, mercado financeiro).
Em outras palavras: o árbitro não está limitado por um Código de Processo Civil rígido. Ele pode adaptar o modelo probatório a cada caso — inclusive quando se trata de provas digitais complexas.
O §5º do Art. 22: Substituição dos Árbitros e Validade dos Atos Probatórios
O §5º (introduzido pela reforma da Lei de Arbitragem em 2015) trata de uma situação delicada: a substituição de um árbitro no decorrer do procedimento.
Ele determina que:
- Os atos instrutórios já praticados permanecem válidos;
- O árbitro substituto deve respeitar a prova já produzida;
- O procedimento segue normalmente, salvo decisão fundamentada do tribunal arbitral ou acordo das partes para repetir algum ato.
Imagine um árbitro que saiu por impedimento, renúncia, doença ou qualquer motivo previsto no regulamento. No processo estatal, isso poderia gerar a repetição de atos, atraso e custo, Já na arbitragem:
- A prova não se perde.
- Não há necessidade automática de repetição.
- Evita-se a ruptura da linha de instrução e o risco de nulidade.
E quando é preciso repetir?
Isso ocorre quando:
- O árbitro entende ser impossível decidir sem refazer um depoimento essencial;
- Há dúvida sobre a integridade da prova — especialmente no caso de provas digitais sem cadeia de custódia adequada;
- Há necessidade de esclarecimento técnico adicional.
Aqui, entra um elemento fundamental: a credibilidade e rastreabilidade das provas digitais influenciam diretamente a decisão sobre refazer ou não atos instrutórios.
Provas Digitais no Procedimento Arbitral: Entre Eficiência e Complexidade Técnica
A prova digital deixou de ser “complementar” e se tornou elemento central em litígios envolvendo:
- Contratos eletrônicos;
- Mensagens de WhatsApp e e-mails;
- Logs de acesso;
- Metadados;
- Autenticação via blockchain;
- Assinaturas digitais;
- Auditorias de sistemas e transações;
- Fraudes informáticas;
- Compliance e rastreamento interno;
Como o Art. 22 dialoga com a prova digital
O árbitro pode:
- Determinar perícia digital;
- Solicitar auditoria forense externa;
- Exigir preservação de evidências (preservation order);
- Inverter o ônus da prova se houver resistência à exibição de dados;
- Requisitar dados armazenados em servidores, sistemas internos ou em nuvem;
- Avaliar a aderência à cadeia de custódia, que já é boa prática consolidada no ambiente arbitral internacional.
Na prática, isso aproxima a arbitragem do padrão internacional de Digital Evidence Handling.
Provas Digitais e Substituição de Árbitros
Quando a arbitragem envolve evidências digitais, a substituição do árbitro pode gerar preocupações extras:
- O árbitro substituto precisa compreender a natureza técnica da prova.
- A falta de domínio do novo árbitro pode exigir complementação pericial.
- A ausência de cadeia de custódia pode comprometer a validade da prova já produzida.
- A interpretação de logs, metadados e hashes demanda continuidade metodológica — qualquer ruptura pode afetar a análise.
Por isso, em litígios de alta complexidade digital, é comum:
- Designação de árbitros especialistas;
- Apoio de assistentes técnicos;
- Laudos complementares ou pareceres aprofundados.
O Art. 22 da Lei de Arbitragem fornece um alicerce poderoso, permitindo que o árbitro molde o procedimento conforme a complexidade do caso. O §5º assegura continuidade e estabilidade mesmo diante da substituição de árbitros.
Com o crescimento exponencial das evidências digitais, esses dispositivos se tornam ainda mais relevantes na a arbitragem moderna e exige árbitros capazes de compreender, avaliar e determinar a produção de provas tecnológicas com rigor e segurança.
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Excelente postagem!
Muito obrigado.
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Muito obrigada
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