Por Silvana de Oliveira – Perita Judicial, Grafotécnica, Especialista em Provas Digitais e Investigação Forense.
A aparição fugaz de uma pessoa em um documentário de caráter histórico e informativo não é, por si só, suficiente para gerar o dever de indenizar. Foi com esse entendimento que a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) negou provimento ao Recurso Especial nº 2.214.287, afastando a condenação da HBO pelo uso da imagem de um indivíduo que apareceu por apenas dois segundos em documentário sobre o assassinato da atriz Daniella Perez.
O caso reacende um debate sensível e recorrente no Direito: os limites entre o direito à imagem e a liberdade de informação, especialmente quando estão em jogo produções audiovisuais que retratam crimes de grande repercussão social.
O caso concreto

O autor da ação pleiteava indenização de R$ 1001 mil, alegando uso indevido de sua imagem em documentário produzido pela HBO. Ele aparece rapidamente ao lado de Guilherme de Pádua, condenado pelo homicídio de Daniella Perez, durante um período em que ambos frequentavam uma comunidade evangélica após o cumprimento da pena.
Alguns pontos foram decisivos para o desfecho do caso:
- a aparição durou apenas dois segundos;
- o autor não teve seu nome divulgado;
- não exerceu qualquer papel de destaque ou protagonismo;
- a imagem foi utilizada em contexto informativo, sem caráter sensacionalista ou degradante;
- o próprio autor já havia autorizado previamente a divulgação da mesma imagem em reportagem exibida na televisão aberta.
Entendimento do STJ
A relatoria da ministra Nancy Andrighi reforçou que o direito à liberdade de informação inclusive no âmbito de documentários é legítimo quando exercido com:
- veracidade;
- pertinência temática;
- cuidado com os direitos da personalidade.
No caso, o documentário tratava de um crime que gerou comoção nacional, o que confere inequívoco interesse público à obra. Além disso, a ministra destacou que não houve uso degradante da imagem, tampouco qualquer tentativa de vincular o autor ao crime. A exposição foi classificada como acidental e coadjuvante, incapaz de gerar prejuízo à honra ou à imagem do recorrente.


Imagem, lucro e dano: onde está o limite?
O Tribunal de Justiça de Minas Gerais, cujo entendimento foi mantido pelo STJ, também afastou a indenização ao constatar que:
a exclusão da imagem do autor não alteraria o conteúdo, nem o valor comercial do documentário.
Ou seja, não houve exploração econômica individual da imagem, nem incremento do potencial lucrativo da obra por conta daquela aparição específica elemento essencial quando se discute responsabilidade civil nesse contexto.
“Dois segundos de fama” não bastam
A decisão deixa claro que o Direito não protege suscetibilidades abstratas. Para que haja violação ao direito de imagem, é necessário algo além da mera aparição: é preciso demonstrar dano, exposição indevida, desvio de finalidade ou uso ofensivo.
Como bem pontuou a relatora, causa estranheza a alegação de prejuízo quando o próprio autor consentiu com a circulação da imagem em meio de comunicação de alcance ainda maior, o que enfraquece a tese de associação indevida ou dano moral.
A decisão do STJ reafirma um ponto essencial para o Direito contemporâneo:
📌 nem toda exposição gera dano,
📌 nem todo uso de imagem é ilícito,
📌 nem toda aparição autoriza indenização.
Em tempos de documentários, true crimes e narrativas audiovisuais cada vez mais presentes no debate público, o Judiciário sinaliza que a liberdade de informar não pode ser sufocada, desde que exercida com responsabilidade e respeito aos direitos da personalidade. Às vezes, no Direito assim como na edição de vídeo quem pisca, perde.
- Fonte: https://www.conjur.com.br/2025-dez-15/aparicao-de-dois-segundos-em-documentario-sobre-crime-nao-gera-dever-de-indenizar/ ↩︎
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