Por Silvana de Oliveira – Perita Judicial, Grafotécnica, Especialista em Provas Digitais e Investigação Forense

A evolução tecnológica tem imposto ao Direito o desafio constante de adaptação dos meios de prova à realidade digital. Nesse contexto, a blockchain desponta como uma das tecnologias mais relevantes para a preservação da integridade, autenticidade e imutabilidade das informações, especialmente no tratamento de provas digitais.
Esse entendimento ganhou destaque a partir de decisão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), nos autos do processo nº 0600234-58.2024.6.13.0312, ao reconhecer que a coleta de provas por meio de blockchain é capaz de garantir a integridade e a imutabilidade das informações.



Blockchain como meio de preservação da prova digital
A blockchain pode ser compreendida, de forma didática, como um livro-razão digital distribuído, no qual cada registro é encadeado ao anterior por meio de técnicas criptográficas. Uma vez inserida, a informação não pode ser alterada sem que toda a rede perceba a modificação, o que confere elevado grau de confiabilidade ao registro.
No campo probatório, isso significa que:
- o conteúdo coletado é registrado com carimbo temporal (timestamp);
- há rastreabilidade da origem e do momento da coleta;
- qualquer tentativa de alteração posterior é detectável;
- o registro pode ser verificado independentemente por terceiros.
Essas características dialogam diretamente com os princípios da cadeia de custódia da prova digital, exigindo que o dado permaneça íntegro desde a coleta até sua apresentação em juízo.
O posicionamento do TSE e seus reflexos jurídicos
Ao reconhecer a validade da coleta de provas via blockchain, o TSE sinaliza uma abertura institucional relevante para a aceitação de métodos tecnológicos avançados no processo judicial, especialmente em matérias sensíveis como a eleitoral, onde autenticidade e confiabilidade da informação são cruciais.
Esse entendimento reforça que a blockchain:
- não é apenas um recurso tecnológico,
- mas um instrumento apto a atender exigências jurídicas, como integridade da prova, confiabilidade do método e transparência procedimental.
Na prática, o Tribunal reconhece que a tecnologia pode atuar como uma camada adicional de segurança probatória, reduzindo riscos de adulteração, questionamentos quanto à autenticidade e fragilidades na custódia da informação digital.
Prova digital, cadeia de custódia e segurança jurídica
A decisão do TSE converge com normas técnicas e boas práticas já consolidadas no campo da perícia digital, como:
- preservação da integridade lógica dos dados;
- documentação do procedimento de coleta;
- rastreabilidade dos atos realizados sobre a prova;
- possibilidade de auditoria posterior.
A blockchain, nesse cenário, funciona como um cofre transparente: protege o conteúdo, mas permite que qualquer interessado verifique se o lacre foi violado. Isso fortalece a segurança jurídica, tanto para o Judiciário quanto para as partes.
Impactos para a advocacia, perícia e compliance digital
O reconhecimento institucional do uso da blockchain como meio idôneo de coleta probatória tende a impactar diretamente:
- a atuação de peritos e assistentes técnicos, que passam a dispor de ferramenta robusta para preservação de evidências;
- a advocacia, especialmente na produção, impugnação e validação de provas digitais;
- programas de compliance, governança e investigação defensiva, que demandam registros confiáveis e auditáveis;
- a discussão sobre LGPD e proteção de dados, uma vez que integridade e rastreabilidade também são princípios relevantes na gestão responsável da informação.
A manifestação do TSE nos autos nº 0600234-58.2024.6.13.0312 representa mais do que um precedente isolado: indica um movimento de amadurecimento do Judiciário brasileiro diante das tecnologias emergentes aplicadas à prova digital.
A blockchain, quando corretamente utilizada, deixa de ser apenas inovação tecnológica e passa a ocupar espaço como instrumento legítimo de garantia da verdade processual, reforçando a confiabilidade, a transparência e a segurança das decisões judiciais.
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