Assinaturas Biométricas na Distinção de Gêmeos Idênticos: Desafios e Alertas à Perícia Forense

Por Silvana de Oliveira  Perita Judicial, Grafotécnica, Especialista em Provas Digitais e Investigação Forense

O avanço das tecnologias biométricas, especialmente do reconhecimento facial, consolidou-se como ferramenta amplamente utilizada em sistemas de segurança, autenticação digital, controle de acesso e procedimentos de identificação civil e criminal. Contudo, quando aplicada a indivíduos geneticamente idênticos, como gêmeos monozigóticos, essa tecnologia enfrenta limitações técnicas e científicas relevantes. O presente artigo analisa as marcas faciais individuais como assinaturas biométricas únicas, discutindo sua capacidade de distinção entre gêmeos idênticos e os riscos periciais, jurídicos e probatórios decorrentes da adoção acrítica do reconhecimento facial automatizado.

O reconhecimento facial1 é frequentemente apresentado como uma solução objetiva, neutra e precisa para identificação humana. No imaginário tecnológico, o rosto passa a funcionar como uma “senha natural”, supostamente impossível de ser duplicada. Entretanto, esse pressuposto se fragiliza diante de um cenário específico: a identificação de gêmeos idênticos.

Gêmeos monozigóticos compartilham o mesmo DNA, o que desafia sistemas biométricos baseados em similaridades estruturais da face. Nesse contexto, surge uma questão central para a perícia forense: até que ponto marcas faciais podem ser consideradas assinaturas biométricas verdadeiramente individuais?

Marcas Faciais e Biometria: Conceito de Assinatura Biométrica

Assinaturas biométricas são características físicas ou comportamentais capazes de identificar um indivíduo de forma única, permanente e mensurável. Todavia, além dessas métricas estruturais, existem microcaracterísticas faciais que escapam às análises genéticas puras.

Esses elementos constituem as chamadas marcas faciais individuais, que podem funcionar como verdadeiras assinaturas biométricas, desde que corretamente observadas, documentadas e analisadas. Os sistemas de reconhecimento facial baseiam-se na captura de imagens do rosto humano e na extração de características biométricas, esses dados são processados por algoritmos de machine learning e deep learning, que geram vetores matemáticos comparáveis a bases previamente cadastradas. A eficácia do sistema depende da qualidade da imagem, do conjunto de treinamento do algoritmo e da variabilidade entre os indivíduos analisados.

Gêmeos Idênticos e as Limitações do Reconhecimento Facial Automatizado

Estudos e testes empíricos demonstram que muitos sistemas de reconhecimento facial não conseguem distinguir com precisão gêmeos idênticos, especialmente em ambientes não controlados, isso ocorre porque a maioria dos algoritmos prioriza padrões estruturais globais, ignorando detalhes finos e contextuais que exigem análise humana especializada. Assim, dois indivíduos distintos podem ser classificados como a mesma pessoa pelo sistema, gerando falhas graves na cadeia probatória. Gêmeos monozigóticos compartilham praticamente o mesmo DNA e apresentam altíssimo grau de semelhança morfológica facial. Estudos demonstram que, para muitos algoritmos, as variações faciais entre gêmeos são inferiores às variações aceitáveis dentro do mesmo indivíduo ao longo do tempo (envelhecimento, iluminação, expressão facial). Na prática, testes empíricos revelam que: Um gêmeo pode desbloquear o dispositivo do outro; Sistemas confundem identidades em bases de dados biométricos; O índice de false acceptance (aceitação indevida) aumenta significativamente. Esses fatores evidenciam que o reconhecimento facial não é plenamente discriminatório em contextos de alta similaridade genética.

  • falsos positivos;
  • fraudes de identidade;
  • imputações indevidas;

Implicações Periciais e Jurídicas

Do ponto de vista da perícia forense, a utilização do reconhecimento facial em casos envolvendo gêmeos idênticos exige cautela redobrada. A simples correspondência algorítmica não pode ser considerada prova conclusiva.

Juridicamente, a aceitação acrítica dessa tecnologia pode violar princípios como: presunção de inocência. No âmbito pericial, a utilização de reconhecimento facial como elemento probatório isolado representa risco metodológico. A prova digital deve atender aos critérios de autenticidade, integridade, reprodutibilidade e confiabilidade técnica requisitos fragilizados quando o sistema não consegue distinguir indivíduos distintos.

  • devido processo legal;
  • ampla defesa;
  • contraditório;

Marcas Faciais como Elemento Técnico de Diferenciação

Na prática pericial, a distinção entre gêmeos idênticos deve considerar uma abordagem multimodal, integrando:

  • análise detalhada de marcas faciais permanentes e adquiridas;
  • comparação temporal de imagens (evolução das marcas ao longo do tempo);
  • correlação com outros dados biométricos (voz, comportamento, marcha);
  • contextualização probatória (local, horário, dispositivos envolvidos).

Assim, as marcas faciais deixam de ser apenas dados visuais e passam a atuar como elementos técnicos individualizadores, desde que submetidos a metodologia adequada e fundamentação científica.

Embora o reconhecimento facial represente um avanço significativo no campo da biometria, sua aplicação em indivíduos geneticamente idênticos revela fragilidades técnicas e riscos jurídicos substanciais. As marcas faciais, quando analisadas sob uma ótica pericial rigorosa, podem funcionar como assinaturas biométricas diferenciadoras, mas não devem ser interpretadas de forma automatizada ou isolada.

Em casos envolvendo gêmeos idênticos, a perícia forense assume papel central na validação da prova, sendo imprescindível a conjugação entre tecnologia, análise humana especializada e respeito aos limites científicos da biometria facial.

Risco Jurídico e Violação de Garantias Fundamentais, dependendo do contexto, o uso indevido do reconhecimento facial pode: Violarem o devido processo legal; Comprometer o contraditório e a ampla defesa; Gerar responsabilização penal baseada em evidência falha; Configurar tratamento inadequado de dados biométricos sensíveis, à luz da LGPD.

Abordagem multimodal é a utilização combinada de múltiplas fontes, técnicas e tipos de evidência para analisar um mesmo fato, evento ou identidade.

👉 Em vez de confiar em um único método, o perito cruza vários “modos” de prova, reduzindo erros, vieses e falsas conclusões.

Em linguagem simples:

Não se pergunta só “quem parece ser?”, mas “quem fez, quando, como, de onde e com qual comportamento?

Diante dessas limitações, a perícia forense deve adotar uma abordagem multimodal, combinando o reconhecimento facial com outros elementos, o reconhecimento facial, especialmente em casos envolvendo gêmeos, deve ser tratado como indício, jamais como prova conclusiva.

O reconhecimento facial, embora tecnologicamente avançado, apresenta limitações estruturais quando aplicado à identificação de gêmeos monozigóticos. No contexto forense, essas limitações impõem um dever técnico de cautela, sob pena de comprometimento da prova, da justiça do processo e dos direitos fundamentais dos indivíduos envolvidos. A atuação pericial exige compreensão profunda das fragilidades algorítmicas, validação metodológica rigorosa e rejeição do uso acrítico de tecnologias biométricas. Em especial, casos envolvendo gêmeos demandam análise técnica ampliada, documentação robusta da cadeia de custódia e integração de múltiplas fontes probatórias para garantir segurança jurídica e confiabilidade científica.

  1. Fonte: https://www.instagram.com/reel/DS3E3koETd6/?utm_source=ig_web_copy_link&igsh=NTc4MTIwNjQ2YQ== ↩︎

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