Provas Bancárias Obtidas no Exterior Agora Têm Validade no Brasil, Decide STJ

Por Silvana de Oliveira.

A decisão da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) que admitiu a validade de provas bancárias obtidas no exterior, mesmo sem autorização judicial brasileira ou participação das autoridades centrais, reflete um avanço na cooperação jurídica internacional e a adaptação das normas processuais brasileiras às realidades globais. Essa posição, especialmente em casos que envolvem a obtenção de provas em conformidade com as leis locais do país de origem, reforça a eficácia de investigações que ultrapassam fronteiras nacionais.

A coleta da prova estando em conformidade com a legislação do país de origem é muito importante para ser validada. Essa decisão abre um precedente importante, uma vez que facilita o acesso a documentos essenciais em investigações financeiras internacionais, ampliando as possibilidades de coleta de provas em jurisdições estrangeiras.

Análise Jurídica e Implicações:

  1. Cooperação Jurídica Internacional:
    A decisão reafirma a relevância da cooperação jurídica internacional, um instrumento fundamental em uma era de globalização e mobilidade de capitais. A admissão de provas obtidas legalmente no exterior, ainda que sem autorização judicial brasileira, é um reconhecimento da autonomia das jurisdições estrangeiras e da necessidade de colaboração entre diferentes sistemas legais.
  2. Respeito às Leis Locais:
    O STJ, ao aceitar a validade de provas bancárias obtidas em conformidade com a legislação local de outro país, enfatiza o respeito às normas estrangeiras. Esse posicionamento ressalta que, desde que o procedimento siga as regras do país onde a prova foi coletada, o Brasil pode aproveitá-la no contexto de seus próprios processos judiciais.
  3. Impactos na Investigação Criminal e no Combate à Lavagem de Dinheiro:
    No campo penal, essa decisão tem grande relevância, especialmente em crimes como a lavagem de dinheiro e a evasão de divisas, onde contas bancárias no exterior frequentemente são utilizadas. A flexibilização quanto à necessidade de autorização judicial para essas provas pode agilizar investigações e evitar que criminosos se aproveitem de lacunas ou complexidades do processo burocrático.
  4. Segurança Jurídica e Proteção de Direitos:
    Embora a decisão facilite o uso de provas obtidas no exterior, também levanta questões sobre a proteção de direitos fundamentais, como a privacidade. A ausência de uma autorização judicial prévia pode ser questionada sob a ótica de garantias processuais, especialmente no que diz respeito à violação de sigilo bancário. No entanto, o STJ balanceia essa preocupação com a necessidade de uma investigação eficiente, desde que o procedimento seja legal no país onde a prova foi obtida.
  5. Precedente Importante:
    A decisão da Quinta Turma cria um precedente que poderá ser utilizado em futuras situações de cooperação internacional. Isso pode encorajar a prática de obtenção de provas diretamente em outros países, desde que respeitadas as leis locais, sem a necessidade de envolvimento de autoridades centrais, otimizando tempo e recursos em investigações.

Essa decisão demonstra a tendência do sistema judiciário brasileiro em flexibilizar certas formalidades processuais no contexto internacional, garantindo maior agilidade e eficácia na coleta de provas, ao mesmo tempo em que se alinha com a legislação e as práticas de outros países.

Contexto Jurídico

O debate sobre a legalidade de provas obtidas no exterior sem autorização judicial brasileira envolve uma análise cuidadosa da cooperação internacional e das diferenças entre os sistemas jurídicos. Muitos países, especialmente aqueles com sistemas jurídicos distintos, têm normas que permitem a obtenção de documentos bancários mediante solicitações administrativas, sem a necessidade de uma ordem judicial, o que nem sempre é o caso no Brasil.

A decisão da Quinta Turma do STJ reforça a importância de respeitar as leis locais do país onde a prova foi obtida. Ou seja, se a obtenção de documentos bancários foi realizada de acordo com as normas e procedimentos legais do país estrangeiro, essa prova pode ser validada em território brasileiro, independentemente da ausência de uma autorização judicial emitida no Brasil.

Implicações Práticas

Para advogados e partes envolvidas em litígios que envolvem ativos e transações internacionais, essa decisão traz novas oportunidades. Empresas e indivíduos podem, a partir de agora, buscar provas de maneira mais eficiente em jurisdições onde os procedimentos são menos burocráticos. No entanto, é importante que todas as etapas da coleta de provas respeitem as regras do local, sob pena de nulidade ou questionamento posterior.

Proteção de Dados e Sigilo Bancário

A decisão, contudo, levanta questionamentos importantes sobre a proteção de dados e o sigilo bancário. A obtenção de informações financeiras sem autorização judicial brasileira pode gerar conflitos com as normas nacionais de proteção de dados, especialmente após a promulgação da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD). Assim, cada caso deverá ser analisado à luz das circunstâncias particulares e do respeito às legislações envolvidas.

A admissão de provas bancárias obtidas no exterior conforme a lei local, sem a exigência de autorização judicial brasileira, é um marco relevante nas práticas de investigação e litigância no Brasil. Essa decisão, ao mesmo tempo em que simplifica o acesso a informações cruciais, impõe um cuidado redobrado com as questões de conformidade jurídica e proteção de dados. Para os profissionais do direito, trata-se de uma oportunidade de expandir a estratégia de obtenção de provas no cenário internacional, sempre em observância às normas dos países envolvidos.

A utilização da Blockchain no registro e reconhecimento de provas internacionais pode trazer ainda mais segurança e credibilidade ao processo jurídico, principalmente quando essas provas são reconhecidas internacionalmente. A Blockchain, sendo uma tecnologia descentralizada e imutável, pode garantir a integridade e autenticidade dos dados coletados, proporcionando um nível adicional de confiança e auditabilidade.

Quando uma prova é obtida no exterior e registrada em Blockchain, é criptograficamente protegido tornando esse registro imutável evitando qualquer possibilidade de adulteração ou manipulação da prova ao longo do tempo.

O reconhecimento internacional de provas registradas em Blockchain se baseia na capacidade da tecnologia de garantir:

  1. Imutabilidade dos Registros: Nenhuma parte pode modificar ou excluir informações após serem registradas, assegurando a veracidade dos dados.
  2. Transparência e Auditabilidade: Todas as operações realizadas na blockchain podem ser verificadas publicamente ou dentro de um sistema privado, conforme a arquitetura adotada.
  3. Autenticidade: A verificação de identidade e a origem da prova são garantidas por meio de assinaturas digitais, tornando impossível falsificar o registro.

Vantagens da Blockchain no Contexto de Provas

  • Facilidade de Verificação Global: O reconhecimento internacional de uma prova registrada em blockchain elimina muitas das barreiras burocráticas que dificultam a cooperação jurídica entre países.
  • Segurança Criptográfica: A utilização de algoritmos de criptografia na blockchain garante que qualquer acesso à prova bancária seja autorizado e verificável.
  • Maior Confiabilidade em Litígios Internacionais: Tribunais internacionais podem confiar mais em provas cuja integridade e origem sejam facilmente verificáveis pela blockchain, fortalecendo a posição das partes que a utilizam em litígios.

A utilização da tecnologia Blockchain para o registro de provas bancárias obtidas no exterior e seu reconhecimento internacional representa uma revolução no campo das investigações financeiras e da litigância global. A tecnologia assegura a integridade, transparência e autenticidade das provas, criando uma base sólida para sua admissibilidade em diferentes jurisdições. Para advogados e empresas, essa inovação oferece um caminho mais seguro e eficiente para a coleta, armazenamento e apresentação de provas, sobretudo em casos que envolvem várias nações e legislações distintas. Contudo, a evolução contínua da legislação em torno da Blockchain será essencial para garantir seu uso pleno e reconhecido em todos os países.


Quinta Turma admite prova bancária obtida no exterior conforme a lei local e sem autorização judicial

Para a Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), em situação de cooperação jurídica internacional, as diligências feitas em países estrangeiros conforme as leis locais são válidas no Brasil mesmo se não houver prévia autorização judicial ou participação das autoridades centrais.

Com esse entendimento unânime, o colegiado negou provimento a recurso da defesa e manteve a condenação imposta pelo Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF3) a um réu acusado de crime contra o Sistema Financeiro Nacional.

O relator, ministro Ribeiro Dantas, explicou que não viola a ordem pública brasileira o compartilhamento de dados bancários que, no exterior, foram obtidos sem prévia autorização judicial, quando tal autorização não era exigida pela legislação local.

Além disso, ele assinalou que, “respeitadas as garantias processuais do investigado, não há prejuízo na cooperação direta entre as agências investigativas, sem a participação das autoridades centrais”.

Bane​​stado

De acordo com o Ministério Público Federal (MPF), o recorrente foi denunciado pelo crime de evasão de divisas (artigo​ 22 da Lei 7.492/1986) e por manter depósito de valores no exterior de 1999 a 2005, sem a declaração respectiva ao órgão competente no Brasil.

A denúncia decorreu de inquérito instaurado pela Polícia Federal no âmbito de investigações sobre contas bancárias que receberam recursos oriundos de agência do extinto Banco do Estado do Paraná (Banestado) na cidade de Nova York.

No recurso ao STJ, a defesa sustentou que todo compartilhamento de provas entre Brasil e Estados Unidos deveria passar pelas autoridades centrais de ambos os países, sendo ilícita a colaboração informal entre as respectivas agências investigativas e órgãos acusadores. A defesa pediu ainda que fossem desconsiderados os dados e extratos bancários remetidos por autoridades norte-americanas à Polícia Federal e à 2ª Vara Federal de Curitiba, os quais comprovaram haver depósito em conta-corrente no Delta National Bank de Nova York em nome do acusado.

O relator lembrou que, em hipóteses semelhantes, também em processos derivados das investigações do Caso Banestado, as duas turmas de direito penal do STJ já se manifestaram pela validade das provas obtidas por meio de cooperação jurídica internacional na modalidade de auxílio direto.

Coope​ração

Segundo Ribeiro Dantas, a colaboração entre Brasil e EUA é regulada pelo Acordo de Assistência Judiciária em Matéria Penal (conhecido pela sigla MLAT, de Mutual Legal Assistance Treaty), incorporado ao ordenamento nacional pelo Decreto 3.810/2001.

O ministro destacou que o acordo institui um procedimento específico para as solicitações de cooperação, com a participação das autoridades centrais de cada país – Ministério da Justiça, no Brasil, e procurador-geral, nos Estados Unidos.

Dessa forma, frisou o magistrado, o MLAT busca facilitar a cooperação entre os Estados signatários, não só pelo rito estabelecido no artigo 4º do acordo (em que a solicitação é feita pela autoridade central do país requerente), mas também por qualquer outra forma de assistência (artigo 1º, 2, “h”), ajuste ou outra prática bilateral cabível (artigo 17).

“Tratar o procedimento formal do artigo 4º como impositivo, sob pena de nulidade das provas obtidas por formas atípicas de cooperação, desconsideraria o teor desses textos normativos e violaria frontalmente o artigo 1º, 5, do acordo”, observou.

Garantias proces​​suais

Para o ministro, no caso julgado, foram respeitadas as garantias processuais do investigado durante a cooperação direta que ocorreu entre as agências investigativas.

“A ilicitude da prova ou do meio de sua obtenção somente poderia ser pronunciada se a parte recorrente demonstrasse alguma violação de suas garantias ou das específicas regras de produção probatória, o que não aconteceu”, afirmou.

Ribeiro Dantas acrescentou que, como a manutenção de valores na agência do Delta National Bank ocorreu em Nova York, é à luz da legislação daquele estado que deve ser aferida a licitude da obtenção das provas, segundo o artigo 13 da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB).

“Nesse ponto, não há controvérsia: tanto o recorrente como o acórdão recorrido concordam que o acesso às informações bancárias ocorreu em conformidade com a legislação então vigente no estado de Nova York”, concluiu o ministro.

Leia o acórdão.​​

Esta notícia refere-se ao(s) processo(s):AREsp 701833

Fonte: https://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias/13052021-Quinta-Turma-admite-prova-bancaria-obtida-no-exterior-conforme-a-lei-local-e-sem-autorizacao-judicial.aspx