Por Silvana de Oliveira.
A decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) ressalta que o legítimo proprietário de um imóvel tem prioridade sobre o direito de um terceiro adquirente de boa-fé, caso o registro na matrícula do imóvel tenha sido cancelado por se basear em uma escritura pública falsa. A Terceira Turma do STJ decidiu que, mesmo que o comprador tenha agido de boa-fé, o interesse do verdadeiro dono prevalece, especialmente em situações onde o negócio jurídico se fundamenta em um documento fraudulento ou inexistente.
No caso em análise, uma empresa adquiriu um imóvel com base em uma escritura falsa e tentou garantir a posse do bem, utilizando como argumento a proteção ao terceiro de boa-fé, prevista no artigo 54, parágrafo 1º, da Lei 13.097/2015. No entanto, o STJ reforçou que, quando o título de aquisição se revela inválido devido a fraude ou falsidade, essa proteção não se aplica. O entendimento visa assegurar que o proprietário legítimo, lesado pela fraude, possa reaver sua propriedade.
Esse julgamento reforça a importância da diligência no momento da compra de um imóvel, visto que mesmo a boa-fé do adquirente pode não ser suficiente para manter o bem, se o título de origem for inválido. A decisão também demonstra a proteção ao direito de propriedade, garantindo que fraudes documentais não prejudiquem o dono legítimo.
Imagine que João é o legítimo proprietário de uma casa. No entanto, sem o conhecimento dele, uma pessoa mal-intencionada cria uma escritura pública falsa em nome de João e vende a casa para Maria, uma compradora de boa-fé que não sabe da fraude. Maria registra a casa em seu nome no cartório, acreditando que a compra foi feita de maneira legal e correta.
Anos depois, João descobre que sua casa foi vendida ilegalmente com base em documentos falsos e decide reivindicar sua propriedade na Justiça. Maria, por sua vez, tenta manter a posse do imóvel, alegando que ela comprou de boa-fé e que, segundo a Lei 13.097/2015, deve ser protegida.
No entanto, o STJ decide que, como a escritura usada na venda era falsa, o direito de João, como proprietário legítimo, prevalece sobre o de Maria, mesmo que ela tenha agido de boa-fé. O entendimento do tribunal é que a boa-fé não pode se sobrepor à fraude, e, por isso, João tem o direito de reaver sua casa.
Interesse do legítimo proprietário precede o de terceiro de boa-fé que compra imóvel a partir de escritura falsa
O legítimo proprietário de um imóvel tem o direito de reivindicá-lo, em detrimento do terceiro adquirente de boa-fé, caso o registro na matrícula tenha sido cancelado por estar amparado em escritura pública inexistente.
Esse entendimento levou a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) a negar provimento ao recurso especial de uma empresa que, após adquirir um imóvel com base em escritura pública de compra e venda falsa, buscava ficar com o bem invocando a proteção conferida ao terceiro adquirente de boa-fé, prevista no artigo 54, parágrafo 1º, da Lei 13.097/2015.
“Essa norma, contudo, não regulamenta especificamente as consequências jurídicas na hipótese de ocorrer o cancelamento do registro anterior, situação tratada expressamente no artigo 1.247 do Código Civil (CC), que não foi revogado pela referida Lei 13.097/2015 e permanece vigente”, destacou a relatora do caso, ministra Nancy Andrighi.
A discussão teve origem quando o espólio do legítimo proprietário ajuizou ação para provar que o imóvel nunca foi vendido ao réu e que a suposta escritura de compra e venda registrada anos mais tarde seria falsa. Posteriormente, o bem foi vendido a uma empresa, que reivindicou o direito de ficar com ele por ter adotado todas as cautelas necessárias ao comprá-lo.
As instâncias ordinárias declararam a inexistência da escritura pública, sendo nulas as operações de compra e venda. Aplicando o artigo 1.247, parágrafo único, do CC, o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) afirmou que o cancelamento do registro de título aquisitivo dá ao proprietário o direito de reivindicação, independentemente da boa-fé e do título do terceiro adquirente.
Lei 13.097/2015 não regula cancelamento de registro anterior de imóvel
Nancy Andrighi observou que os registros públicos buscam garantir a autenticidade, a segurança e a eficácia dos atos jurídicos, como previsto no artigo 1º da Lei 6.015/1973. No entanto – continuou –, se isso não ocorrer, o artigo 1.247 do CC permite a retificação ou a anulação do ato.
“Conforme o parágrafo único desse dispositivo, ‘cancelado o registro, poderá o proprietário reivindicar o imóvel, independentemente da boa-fé ou do título do terceiro adquirente’. A presente hipótese se amolda ao artigo 1.247 do CC, tendo em vista que o registro na matrícula do imóvel não exprimia a verdade”, analisou a ministra.
Quanto à aplicação do artigo 54, parágrafo 1º, da Lei 13.097/2015, Nancy Andrighi lembrou que esse normativo aborda diversos temas, incluindo questões envolvendo registros na matrícula dos imóveis e a proteção do adquirente de boa-fé. Porém, alertou a relatora, ele não regulamenta especificamente as consequências jurídicas do cancelamento do registro anterior, situação que é tratada no artigo 1.247 do CC.
“O objetivo do artigo 54 da Lei 13.097/2015 foi homenagear o princípio da concentração de dados na matrícula do imóvel, de modo a retirar do adquirente o ônus de diligenciar por eventuais ações, assegurando a sua posição de boa-fé por ter confiado no registro, não podendo a ele serem opostos eventuais direitos que interessados tinham sobre o imóvel, mas não registraram”, detalhou.
Código Civil apresenta solução equilibrada para conflito de interesses
Segundo a ministra, apesar de o caso trazer o conflito de interesses legítimos de partes que confiaram no registro do imóvel, o proprietário jamais poderia imaginar que perderia a sua propriedade por meio da simples apresentação de uma escritura fraudulenta em cartório. “Não por outro motivo que o CC regulamenta essa problemática de forma específica e equilibrada, protegendo, em um primeiro momento, o legítimo proprietário, e, após, o adquirente de boa-fé”, concluiu a relatora.
Por fim, Nancy Andrighi salientou que o adquirente de boa-fé pode pleitear indenização por perdas e danos contra o réu do processo, que lhe vendeu o imóvel de forma indevida.
Leia o acórdão no REsp 2.115.178.
Esta notícia refere-se ao(s) processo(s):REsp 2115178
Vimos que você gostou e quer compartilhar. Sem problemas, desde que cite o link da pagina. Lei de Direitos Autorais, (Lei 9610 de 19/02/1998), sua reprodução total ou parcial é proibida nos termos da Lei
