A matéria “A utilização do Contrato de Sociedade em Conta de Participação na aquisição de imóveis”, de Cristiane Schmitt-Braitling, aborda um tema relevante e complexo no cenário imobiliário brasileiro, especialmente para brasileiros residentes no exterior que desejam investir no país. A análise destaca a crescente adoção da sociedade em conta de participação (SCP) na aquisição de imóveis e alerta sobre os riscos e cuidados necessários ao optar por essa modalidade.
A SCP, regulamentada pelos artigos 991 e seguintes do Código Civil, é caracterizada pela existência de um sócio ostensivo, que administra a sociedade, e um sócio oculto, que investe capital e participa dos lucros e prejuízos. Embora seja um instrumento lícito e amplamente utilizado em projetos específicos, como loteamentos, seu uso inadequado pode gerar complicações jurídicas e financeiras para os compradores.
A matéria relembra a preocupação das autoridades com a utilização indevida desse contrato, citando o Ofício Circular nº 2323 DPDC/SDE/MJ, de 2003, que alertou para a possibilidade de disfarce de relação de consumo sob uma roupagem societária. Isso ocorre quando as empresas vendedoras impõem cláusulas contratuais unilaterais, sem margem para negociação, caracterizando uma relação de consumo em que o comprador não tem os direitos garantidos pelo Código de Defesa do Consumidor (CDC).
Na esfera judicial, a matéria aponta que a aplicação do CDC depende da intenção de lucro do comprador. O STJ tem decidido que, quando o comprador atua como investidor profissional e reiterado, o CDC não se aplica (REsp 1.785.802/SP). No entanto, em casos de SCPs utilizadas de forma fraudulenta ou quando o comprador é um investidor ocasional, o CDC pode ser aplicado (REsp 1.943.845/DF), garantindo proteção ao consumidor.
Outro risco abordado é a falência da empresa vendedora. Nesse caso, a SCP é dissolvida e os sócios ocultos precisam habilitar seus créditos no procedimento falimentar para tentar recuperar os valores investidos, o que pode ser um processo longo e incerto.
A conclusão da matéria enfatiza a importância de precaução ao utilizar a SCP para aquisição de imóveis, recomendando a contratação de consultoria jurídica especializada para avaliar os contratos e garantir a segurança dos compradores.
Em suma, o artigo apresenta uma abordagem bem fundamentada sobre os desafios e riscos da SCP no setor imobiliário. O alerta sobre a possibilidade de disfarce de relação de consumo, os precedentes judiciais e os impactos de uma eventual falência são aspectos cruciais para que investidores e compradores tomem decisões informadas. A recomendação de assessoria jurídica reforça a necessidade de prudência e planejamento ao optar por essa modalidade de contrato.
A utilização do Contrato de Sociedade em Conta de Participação na aquisição de imóveis
Por Cristiane Schmitt-Braitling
A compra de imóveis no Brasil tem ganhado destaque entre brasileiros que residem no exterior, seja como forma de investimento ou com a intenção de retornar ao país. Essa prática tem ganhado ainda mais visibilidade com a ampla divulgação na internet e nas redes sociais. Existem diversas opções para a aquisição de imóveis, desde o financiamento imobiliário até o consórcio.
Além disso, alguns compradores têm recorrido ao contrato de sociedade em conta de participação como alternativa para a aquisição de propriedades. No entanto, é preciso ter cautela ao optar por essa modalidade de contrato. Caso o objetivo do comprador seja unicamente a aquisição de um imóvel, por exemplo um terreno em um loteamento, o contrato de sociedade em conta de participação pode não ser a escolha mais adequada.
A sociedade em conta de participação (SCP) é regulamentada pelo artigo 991 e seguintes do Código Civil Brasileiro. Trata-se de uma associação formada por dois tipos de sócios: o sócio ostensivo, que é a empresa empreendedora responsável por conduzir as atividades em seu nome e sob sua exclusiva responsabilidade; e o sócio oculto, geralmente o comprador do imóvel, que participa como investidor com capital e tem o direito de receber lucros ou suportar prejuízos. A SCP é estabelecida com um objetivo específico, como a implantação de um loteamento. Conforme o artigo 992 do Código Civil, sua constituição pode ocorrer até mesmo por contrato verbal pois independe de formalidade e pode ser provada por todos os meios.
O uso inadequado desse tipo de contrato não é novidade e já foi alvo de atenção das autoridades. Em 2003, os Órgãos de Proteção ao Consumidor foram alertados por meio do Ofício Circular nº 2323 DPDC/SDE/MJ, emitido pela Secretaria de Direito Econômico, sobre o uso indevido da SCP na aquisição de imóveis. Nesse documento, foi destacado que as empresas vendedoras de imóveis devem ser classificadas como fornecedores, conforme o Art. 3º do Código de Defesa do Consumidor (CDC), enquanto os compradores são caracterizados como consumidores, de acordo com o Art. 2º do CDC. Também foi ressaltado que as cláusulas contratuais costumavam ser definidas unilateralmente pelas empresas, sem possibilidade de negociação pelo comprador, o que caracteriza uma relação de consumo disfarçada de relação societária.
Uma das principais preocupações surge quando o empreendimento não é entregue. Nesses casos, o comprador, atuando como sócio oculto, pode precisar ingressar com ação judicial para discutir o contrato e solicitar a restituição dos valores investidos.
Na esfera judicial, a intenção de lucro é um fator relevante para definir a aplicação do CDC. O Superior Tribunal de Justiça (STJ) tem decidido pela não aplicação da legislação consumerista em casos de investimento reiterado e profissional (REsp 1.785.802/SP). No entanto, quando o comprador é um investidor ocasional e a SCP foi constituída ou utilizada com fins fraudulentos, o CDC pode ser aplicado, como no caso do REsp n. 1.943.845/DF.
Deve-se ainda ter em mente que se a empresa vendedora falir, pelo disposto no Código Civil, a SCP será dissolvida com a consequente liquidação de valores e haverá uma necessidade de habilitação de credito em procedimento falimentar para a recuperação do valor.
Para garantir maior segurança na aquisição de imóveis, é importante que os compradores estejam cientes dos riscos e peculiaridades do contrato de sociedade em conta de participação. A contratação de uma consultoria jurídica é recomendada para analisar o contrato e assegurar a proteção dos direitos do consumidor. Com a devida orientação, é possível evitar complicações e garantir uma aquisição imobiliária segura e transparente.
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