A decisão proferida pela 8ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP), que anulou uma condenação proferida pelo Tribunal do Júri em razão de falha técnica na gravação da sessão, destaca um ponto sensível, porém fundamental, da prática processual penal brasileira: a garantia do devido processo legal, especialmente no que se refere à publicidade, à ampla defesa e ao controle das decisões por instâncias superiores.

O caso e os fundamentos da decisão
O réu havia sido condenado a 15 anos de prisão por homicídio e ocultação de cadáver, tendo confessado o crime durante o interrogatório. A defesa alegou vícios processuais como ilegalidade nas provas, ausência de aviso quanto ao direito ao silêncio, e julgamento contrário às provas dos autos.
Contudo, o ponto central que levou à nulidade do julgamento foi a inviabilidade técnica de acesso ao conteúdo das gravações da sessão do júri, comprometendo o controle jurisdicional da legalidade e da lisura do julgamento. As mídias estavam inaudíveis, tornando impossível verificar o que de fato foi dito por testemunhas, jurados e partes durante o plenário.
A relatora, desembargadora Maria Cecília Leone, fundamentou sua decisão na violação do princípio da publicidade e da possibilidade de controle das decisões judiciais, o que acarreta nulidade absoluta do julgamento. A decisão foi unânime.
Impactos e relevância da decisão
a) Devido processo legal e publicidade
A decisão ressalta a função garantista da gravação audiovisual das sessões plenárias, especialmente no júri, onde os debates são orais e os votos dos jurados não são fundamentados. Assim, o registro se torna essencial para verificar se houve respeito aos direitos das partes e a lisura do processo.
A ausência de gravação ou sua inutilidade (como neste caso, por falha técnica), impede que o julgamento seja revisto com a devida profundidade, o que viola não apenas a publicidade, mas também os princípios do contraditório e da ampla defesa.
b) Precedente importante para a prática forense
Essa decisão também se destaca como um importante precedente para a advocacia criminal e para o funcionamento do Tribunal do Júri. Ela reafirma que não basta realizar o ato processual: é preciso que ele seja acessível, verificável e transparente.
A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal já reconheceu a importância da gravação audiovisual como forma de garantir a fidelidade dos registros processuais e permitir a revisão jurisdicional. O TJ-SP apenas reafirma esse entendimento.
A anulação do julgamento reforça que falhas técnicas que comprometam o acesso e a transparência dos atos processuais não são meros vícios formais, mas sim graves violações a garantias constitucionais. A decisão contribui para a consolidação de uma cultura de maior rigor técnico e respeito ao devido processo legal no âmbito do Tribunal do Júri, instituição marcada por sua complexidade e relevância histórica.
Além disso, serve como alerta às autoridades judiciais e às partes processuais quanto à importância da adequada infraestrutura e fiscalização dos registros de audiências, especialmente em tempos de crescente digitalização dos processos.
Problemas técnicos com gravação da sessão geram anulação de júri
Se for constatado problema técnico na gravação da sessão do Tribunal do Júri, o réu deve ser submetido a um novo julgamento. Com esse entendimento, a 8ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo anulou a decisão proferida pelos jurados que condenou um réu por matar uma mulher.
Falha técnica na apresentação de provas gera anulação de decisão do júri
O homem cometeu o crime e deixou o corpo da vítima em uma via pública, posteriormente encontrado por guardas municipais. Quando foi preso, ele confessou que tinha escondido o cadáver em sua casa por algum tempo antes de deixá-lo na rua. O acusado foi julgado pelo júri e condenado a 14 anos de reclusão por assassinato e a mais um ano por ocultação de cadáver.
A defesa do homem recorreu ao TJ-SP e pediu que a condenação fosse anulada, alegando que as provas eram ilícitas. Os guardas, na visão dos advogados, não têm competência para fazer investigações. Os advogados argumentaram também que não foi informado ao réu que ele tinha direito de ficar em silêncio (e que, por isso, ele teria confessado os crimes). E ainda afirmaram que a decisão dos jurados foi contrária às provas no processo.
Os desembargadores não concordaram com o argumento de que as provas eram ilegais. Além disso, eles avaliaram que, no termo do interrogatório, constava expressamente que ele tinha direito ao silêncio. Ainda assim, o réu preferiu se manifestar.
Contudo, o colegiado ponderou que houve uma falha técnica que prejudicou a análise da legalidade do júri. “Ocorre que, por falha técnica, as mídias da sessão plenária, acostadas aos autos às fls. 794, estão inaudíveis, o que inviabiliza a análise do quanto alegado por esta relatoria”, afirmou a relatora do caso, desembargadora Maria Cecília Leone.
“A ausência de registro da audiência ou de sua transcrição, incluindo o interrogatório e os depoimentos produzidos em plenário, impõe o reconhecimento de nulidade absoluta, de fundo constitucional, por ofensa ao dever de publicidade e fundamentação dos atos do processo, inviabilizando o controle pelo jurisdicionado e pela instância revisora. Por conseguinte, impõe-se a anulação do julgamento perante o E. Tribunal do Júri, com a consequente renovação da audiência e dos atos subsequentes”, concluiu.
Leone foi acompanhada pelos desembargadores Luis Augusto de Sampaio Arruda e Sérgio Ribas.
Os advogados Cíntia Michele Fogaça Rodrigues, Yuri Faco Tomanik e Moisés Rosa defenderam o réu.
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Processo 1500394-76.2021.8.26.0363
