Análise da Decisão do STJ: Obrigação de apresentar proposta de acordo é do devedor
A decisão proferida pela 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), em 8 de abril de 2025, estabelece importante precedente no tratamento do superendividamento sob a ótica do Código de Defesa do Consumidor (CDC), especialmente no que se refere às responsabilidades das partes nas audiências de conciliação previstas no artigo 104-A do referido diploma legal.

O cerne da controvérsia
A discussão girou em torno da obrigatoriedade do credor apresentar uma proposta de acordo durante audiência conciliatória pré-processual em casos de superendividamento. O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul havia equiparado a não apresentação de proposta ao não comparecimento à audiência, aplicando as sanções do §2º do art. 104-A do CDC — como a suspensão da exigibilidade do débito, interrupção dos encargos de mora, entre outras penalidades.
Contudo, o STJ reformou esse entendimento, isentando o credor de penalidades por comparecer à audiência sem apresentar proposta concreta, reafirmando que o ônus da apresentação da proposta é do devedor.
Fundamentação do STJ
O relator, Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, destacou a centralidade do mínimo existencial, da dignidade da pessoa humana, da cooperação e da solidariedade no tratamento do superendividamento. No entanto, ressaltou que a obrigação processual de apresentar uma proposta de plano de pagamento é exclusivamente do consumidor, cabendo ao credor apenas avaliar e eventualmente aceitar ou negociar essa proposta.
Além disso, o STJ ressaltou que a eventual ausência de acordo pode levar à fase judicial, onde haverá a revisão contratual e repactuação compulsória, mas não se pode punir o credor que esteve presente com poderes para transigir, mesmo que não tenha apresentado proposta espontaneamente.
Segurança jurídica e equilíbrio entre as partes
A decisão reafirma a necessidade de garantir segurança jurídica e evitar distorções na aplicação das normas protetivas do consumidor. Embora o CDC tenha evoluído com a Lei nº 14.181/2021 (Lei do Superendividamento) para promover a recuperação financeira dos consumidores, essa proteção não pode se traduzir em um ônus excessivo ao credor, sob pena de desequilibrar as relações jurídicas e afastar os agentes financeiros dos mecanismos de conciliação.
Implicações práticas
- O consumidor superendividado deve chegar à audiência com uma proposta de plano de pagamento concreta e viável, assumindo o protagonismo da negociação.
- O comparecimento do credor com poderes para negociar já é suficiente para afastar penalidades, desde que não haja má-fé ou comportamento obstrutivo.
- As sanções do §2º do art. 104-A do CDC devem ser aplicadas com cautela e somente diante de ausências injustificadas ou comportamentos que prejudiquem o bom andamento do procedimento conciliatório.
- Em caso de frustração da conciliação, o processo pode evoluir para fase judicial com repactuação compulsória das dívidas, o que reforça a importância do consumidor construir uma proposta adequada desde o início.
A decisão do STJ é um marco no processo de consolidação das normas que regulam o superendividamento, delimitando corretamente as obrigações das partes e impedindo interpretações extensivas que penalizem indevidamente os credores. O julgamento reafirma que, embora o CDC promova a proteção do consumidor, essa proteção deve observar os limites da razoabilidade, do devido processo legal e do equilíbrio contratual.
Essa diretriz do STJ traz maior clareza procedimental e poderá evitar a banalização das penalidades impostas aos credores, fortalecendo o papel da audiência conciliatória como espaço legítimo de autocomposição — e não de imposição unilateral de obrigações.
Obrigação de apresentar proposta de acordo é do devedor, decide STJ
O credor que comparece à audiência para negociar o superendividamento de cliente, mesmo que não proponha acordo, não está sujeito às sanções previstas no artigo 104-A, parágrafo 2º, do Código de Defesa do Consumidor, de acordo com o entendimento da 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça.
Para o STJ, credor que comparece à audiência para negociar não pode ser punido
Para o colegiado, apesar de a audiência pré-processual ser regida pelos princípios da cooperação e da solidariedade, a obrigação de apresentação de proposta é do devedor.
Com esse entendimento, a turma, por maioria de votos, deu provimento ao recurso especial de um banco que compareceu ao ato de conciliação, mas não ofereceu uma proposta concreta de repactuação da dívida.
Nas instâncias ordinárias, a instituição financeira sofreu as penalidades previstas no CDC para as hipóteses de ausência injustificada dos credores à audiência.
Ainda no juízo de primeiro grau, foi determinada, entre outras medidas, a suspensão da exigibilidade do débito, a interrupção dos encargos de mora e a sujeição compulsória do credor ao plano de pagamento da dívida.
Ao manter a decisão, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul considerou que a negativa de proposta de acordo equivaleria ao não comparecimento à audiência.
Em recurso especial, o banco alegou que a sua presença no ato é suficiente para afastar as penalidades previstas no CDC, independentemente da apresentação ou não da proposta de repactuação de dívida.
Plano de pagamento
O ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, relator do processo, lembrou que as disposições legais sobre a superação do superendividamento estão baseadas na manutenção do mínimo existencial e nos princípios da dignidade da pessoa humana, da cooperação e da solidariedade.
No âmbito processual, apontou, isso se reflete na ênfase dada aos modelos autocompositivos de solução de litígios. Ainda que esses princípios também orientem a fase pré-processual, prosseguiu o magistrado, é o consumidor que tem o ônus da iniciativa conciliatória, devendo apresentar a proposta de plano de pagamento.
Segundo o relator, a consequência para a falta de acordo é a submissão — a depender de iniciativa do consumidor — do negócio não alcançado pelo acordo à fase judicial, na qual haverá a revisão do contrato e a repactuação compulsória do débito.
“Como é ônus do devedor a apresentação de proposta conciliatória, ela não pode ser exigida dos credores e, como a consequência da falta de acordo é a eventual submissão do contrato à revisão e à repactuação compulsórias, não há respaldo legal para a aplicação analógica das penalidades do art. 104-A, parágrafo 2º, do CDC”, destacou Villas Bôas Cueva.
Sanções previstas
Em uma eventual fase judicial, o ministro explicou que é possível a adoção — inclusive de ofício e em caráter exclusivamente cautelar — das medidas previstas no artigo 104-A, parágrafo 2º, do CDC, como a suspensão da exigibilidade do débito e a interrupção dos encargos da mora, ao menos até a definição quanto à revisão e à integração dos contratos e à repactuação das dívidas.
“No caso, a aplicação das consequências do artigo 104-A, parágrafo 2º, do CDC ao credor que compareceu à audiência com advogado com plenos poderes para transigir, apenas por não ter apresentado proposta de acordo, sem serem identificados motivos de ordem cautelar, não tem amparo normativo e deve, assim, ser afastada”, concluiu o relator ao dar provimento ao recurso do banco. Com informações da assessoria de imprensa do STJ.
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Processo 2.191.259
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