Inteligência Artificial e a Responsabilidade no Uso de Ferramentas Jurídicas:
Caso no TJ/PR Rejeita Recurso com Jurisprudência Inventada
Em um episódio que evidencia os riscos do uso indiscriminado de inteligência artificial na prática jurídica, a 1ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Paraná (TJ/PR) recusou conhecer um recurso apresentado pela defesa de um réu pronunciado ao Tribunal do Júri. O motivo: todas as citações de jurisprudência no documento eram falsas, criadas por uma ferramenta de inteligência artificial.
O caso, registrado sob o número 0002062-61.2025.8.16.0019, ganhou notoriedade não apenas pelo erro material, mas pela gravidade das falhas detectadas. Segundo o relator, desembargador Gamaliel Seme Scaff, foi constatado que a peça recursal mencionava 43 precedentes jurídicos inexistentes, muitos deles atribuindo decisões a magistrados que jamais atuaram na Corte. Nomes como “Fábio André Munhoz” e “João Augusto Simões” foram apontados como autores de julgados que, na realidade, nunca existiram. Para completar o cenário de inautenticidade, os números de processos citados seguiam padrões claramente fictícios, como “1234-56” e “3456-78”.


O desembargador Scaff foi categórico ao afirmar que o documento era fruto da “criação de alguma (des)inteligência artificial”, ressaltando a gravidade da situação. Não se tratava de meros erros formais ou de pesquisa apressada: o recurso foi integralmente contaminado por informações falsas, o que inviabilizou seu conhecimento pela Câmara.
Reflexões sobre o uso da IA no meio jurídico
O episódio desperta um importante debate sobre a crescente utilização de sistemas de inteligência artificial no ambiente jurídico. Ferramentas de IA, como assistentes de redação e pesquisa, podem ser extremamente úteis para otimizar tarefas e acelerar processos. Contudo, como demonstra o caso do TJ/PR, seu uso irresponsável ou sem a devida verificação humana pode comprometer seriamente a confiabilidade dos atos processuais e colocar em risco a integridade da justiça.
A inteligência artificial, por mais avançada que seja, não substitui o dever ético e profissional do advogado de conferir a veracidade das informações que apresenta em juízo. A responsabilidade pelo conteúdo de qualquer petição ou recurso é sempre de quem assina a peça, sendo inadmissível a transferência dessa obrigação para um software.
Consequências possíveis
Além da rejeição do recurso, a apresentação de documentos baseados em informações falsas pode ensejar sanções disciplinares junto à Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e até mesmo responsabilização por litigância de má-fé. O respeito às regras éticas e processuais é imprescindível para a preservação da credibilidade do sistema jurídico e para assegurar a boa-fé processual.
O caso do TJ/PR serve, portanto, como alerta não apenas para os advogados, mas também para todo o ecossistema jurídico: o uso de inteligência artificial deve ser criterioso, sempre acompanhado da devida revisão humana, sob pena de graves consequências processuais e éticas.
A tecnologia avança, mas princípios como diligência, responsabilidade e ética continuam sendo pilares fundamentais da atuação jurídica. A inteligência artificial pode ser uma grande aliada do profissional do Direito, desde que utilizada com consciência crítica e compromisso com a verdade. O caso ocorrido no Tribunal de Justiça do Paraná é um marco importante para reafirmar esses valores e chamar atenção para os cuidados que devem ser adotados na era da automação jurídica.
“Balbúrdia textual”
TJ/PR rejeita recurso feito por IA que inventou 43 jurisprudências
Relator destacou que é obrigação do advogado verificar peças feitas com uso de ferramentas de inteligência artificial.
A 1ª câmara Criminal do TJ/PR não conheceu de recurso apresentado pela defesa de um réu pronunciado ao Tribunal do Júri, após constatar que o documento foi elaborado com o auxílio de inteligência artificial. A ferramenta criou 43 precedentes jurídicos inexistentes.
De acordo com a decisão, todas as citações de jurisprudência feitas no recurso eram “criações de alguma (des)inteligência artificial”. O relator, desembargador Gamaliel Seme Scaff, destacou que, entre as inconsistências, foram citados desembargadores que não existem na Corte, como “Fábio André Munhoz” e “João Augusto Simões”, além de processos com numeração claramente fictícia, como “1234-56” e “3456-78”.
“Nem um único julgado do STJ e do STF dentre os mencionados, são fidedignos. Ou seja, o recurso todo foi feito com o uso de IA com a finalidade de induzir o colegiado em erro ou fazer troça. Nenhuma hipótese é boa ou justificável.”
Para o colegiado, a situação impossibilitou qualquer análise das razões recursais, pois seria impossível “separar o ‘joio do trigo'”, as alegações verdadeiras das falsas. A decisão afirmou ainda que o recurso, produzido de forma totalmente inadequada, “é imprestável, não havendo como ser conhecido”.

O colegiado também fez severas críticas à conduta da defesa, chamando a peça de “balbúrdia textual” e ressaltando que apenas advogados, e não aplicativos de IA, detêm capacidade postulatória. “Ainda não chegamos ao ponto de conceder tal benefício a sistemas computacionais”.
“O advogado tem obrigação de, no mínimo, revisar as peças feitas com o uso dessas ferramentas. E a razão da obrigatoriedade dessa revisão é simples: o Poder Judiciário não está brincando de julgar recursos!”
A Corte também deixou expressa a impossibilidade de fixação de honorários advocatícios: “Noutro giro, IA também não faz jus aos mesmos.”
Processo: 0002062-61.2025.8.16.0019 – Veja a íntegra do acórdão.
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