Por Silvana de Oliveira – Perita Judicial, Grafotécnica, Especialista em Provas Digitais e Investigação Forense
Uma recente decisão do Conselho Nacional de Justiça (CNJ)1 trouxe um importante alerta sobre os limites da atuação administrativa no âmbito extrajudicial: órgãos públicos, incluindo corregedorias de tribunais, não podem criar exigências que não estejam expressamente previstas em lei.
O Caso: Exigência Inovadora na Paraíba
A discussão girou em torno do Provimento nº 100/2025 da Corregedoria Geral de Justiça da Paraíba (CGJ-PB), que incluiu o artigo 759-A no Código de Normas Extrajudicial do estado.
Essa norma local estabelecia que, para lavrar a escritura pública definitiva de um imóvel, seria necessário o registro prévio de contrato de promessa de compra e venda, especialmente nos casos em que o promitente comprador desejasse intervir como anuente no ato da escritura.
Em outras palavras:
O cidadão que já havia firmado uma promessa de compra e venda (ainda que válida e reconhecida entre as partes) teria que obrigatoriamente registrar esse contrato antes de fazer a escritura definitiva. Isso geraria custos adicionais e etapas burocráticas extras, muitas vezes sem real necessidade.
A Decisão do CNJ: Excesso de Zelo e Falta de Base Legal
O conselheiro Ulisses Rabaneda, ao julgar o Procedimento de Controle Administrativo nº 0002599-62.2025.2.00.00002, considerou a norma ilegal. Segundo ele, não existe na legislação federal nenhuma exigência que condicione a lavratura da escritura pública ao registro prévio do contrato de promessa de compra e venda.
Além disso, a decisão reforçou que a Administração Pública não pode criar obrigações que impactem economicamente os cidadãos sem expressa previsão legal. Tal prática contraria o princípio da legalidade administrativa, previsto no artigo 37 da Constituição Federal.
O Que Diz a Jurisprudência
A decisão do CNJ também se apoiou em entendimentos já consolidados no âmbito do Superior Tribunal de Justiça (STJ), especialmente nas seguintes súmulas:
- Súmula 239/STJ3:
“O direito à adjudicação compulsória não se condiciona ao registro do compromisso de compra e venda no cartório de imóveis.” - Súmula 84/STJ4:
“É admissível a oposição de embargos de terceiros fundada em alegação de posse advinda de compromisso de compra e venda de imóvel, ainda que desprovido de registro.”
Esses entendimentos deixam claro que o registro da promessa de compra e venda é facultativo, e não pode ser imposto como requisito para outros atos, como a lavratura da escritura definitiva.
O Princípio da Continuidade Registral: Limites e Aplicações
O TJ-PB argumentou que a exigência visava proteger o princípio da continuidade registral, que busca garantir a regularidade e segurança da cadeia de registros imobiliários.
No entanto, o CNJ foi firme ao explicar que o princípio da continuidade não pode ser usado como desculpa para criar exigências administrativas sem amparo legal. Segundo Rabaneda, a eventual intervenção de um promitente comprador como anuente não afeta a legitimidade do ato registral.
Exemplo prático (para facilitar a compreensão):
Imagine que João comprou um terreno de Maria por meio de uma promessa de compra e venda (ainda não registrada). Mais tarde, Maria vai lavrar a escritura definitiva para João. Pela norma paraibana, João teria que gastar com o registro prévio da promessa antes de conseguir a escritura.
A decisão do CNJ derruba essa obrigação extra, poupando João de um custo e burocracia desnecessários.
Essa decisão do CNJ reforça um recado importante para todos os envolvidos com Direito Notarial e Registral:
Qualquer obrigação que impacte a vida e o bolso do cidadão precisa estar prevista em lei. Não cabe à Administração criar, por provimento ou norma administrativa, condições não previstas no ordenamento jurídico.
Além de proteger o direito de propriedade, a decisão também é um avanço na luta contra a burocracia desnecessária que, muitas vezes, apenas dificulta a regularização de imóveis no Brasil.
Fonte:
- CNJ anula exigência extrajudicial para escritura pública de imóvel https://www.conjur.com.br/2025-jun-21/cnj-anula-exigencia-extrajudicial-para-escritura-publica-de-imovel/ ↩︎
- Controle Administrativo nº 0002599-62.2025.2.00.0000 https://www.conjur.com.br/wp-content/uploads/2025/06/Decisao-CNJ-Ulisses-Rabaneda-Norma-Paraiba-Registro-Promessa-de-Compra-e-Venda.pdf ↩︎
- Súmula 239/STJ https://www.stj.jus.br/docs_internet/revista/eletronica/stj-revista-sumulas-2011_18_capSumula239.pdf ↩︎
- Súmula 84/STJ https://www.buscadordizerodireito.com.br/jurisprudencia/detalhes/b6846b0186a035fcc76b1b1d26fd42fa?utm_source ↩︎
Vimos que você gostou e quer compartilhar. Sem problemas, desde que cite o link da página. Lei de Direitos Autorais, (Lei 9610 de 19/02/1998), sua reprodução total ou parcial é proibida nos termos da Lei
