Por Silvana de Oliveira – Perita Judicial, Grafotécnica, Especialista em Provas Digitais e Investigação Forense
A Garantia da Verdade no Processo
A investigação defensiva, recentemente incorporada ao ordenamento jurídico brasileiro, amplia o protagonismo da defesa na produção de provas e contribui para a efetividade do contraditório e da ampla defesa. Contudo, a validade da prova colhida pela defesa está diretamente condicionada ao respeito aos princípios que regem a cadeia de custódia, conforme previsto no Código de Processo Penal. O presente artigo discute a importância da cadeia de custódia como mecanismo indispensável à garantia da autenticidade, integridade e confiabilidade da prova produzida na investigação defensiva. A análise evidencia que a ausência ou violação da cadeia de custódia pode comprometer a admissibilidade e a eficácia das provas defensivas no processo.
A busca pela verdade real no processo penal não é monopólio do Estado. Com a promulgação da Lei nº 13.245/20161, o ordenamento jurídico brasileiro passou a reconhecer expressamente o direito da defesa de realizar diligências investigativas, inaugurando o instituto da investigação defensiva. Esse instrumento assegura à defesa técnica maior igualdade na produção probatória, equilibrando a relação processual e concretizando os princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa.
No entanto, essa nova atribuição exige responsabilidade técnica. A produção probatória pela defesa deve observar os mesmos critérios de validade que se exigem do Ministério Público e da polícia judiciária, especialmente no que diz respeito à cadeia de custódia. O respeito à cadeia de custódia assegura que os elementos de prova coletados mantenham sua integridade e autenticidade, permitindo seu uso legítimo no processo penal.
A investigação defensiva é a atividade realizada pelo advogado, em nome da parte, com o objetivo de obter elementos de prova que possam contribuir para a tese defensiva. Essa prerrogativa encontra fundamento no Provimento Nº 188/2018 art. 3º2 do Estatuto da OAB, e é respaldada pela Constituição Federal, que assegura o contraditório e a ampla defesa como garantias fundamentais (art. 5º, incisos LIV e LV3).
Com a autorização legal para que o advogado realize diligências próprias — como entrevistas, coleta de documentos, requisição de informações e produção de laudos técnicos —, a defesa passa a desempenhar papel ativo e estratégico no processo. Contudo, para que esses elementos sejam admitidos como prova, é imprescindível que sua produção seja feita dentro dos parâmetros legais e técnicos exigidos, entre eles, a preservação da cadeia de custódia.
Cadeia de Custódia: Conceito e Finalidade
A cadeia de custódia está disciplinada nos artigos 158-A a 158-F4 do Código de Processo Penal. Trata-se do conjunto de procedimentos que devem ser observados desde o momento da coleta do vestígio até sua apresentação no processo, garantindo que o objeto de prova não tenha sofrido adulterações, substituições, extravios ou contaminações.
Conforme o artigo 158-A do CPP5, considera-se cadeia de custódia “o conjunto de todos os procedimentos utilizados para manter e documentar a história cronológica do vestígio coletado em locais ou em vítimas de infração penal, para rastrear sua posse e manuseio a partir de seu reconhecimento até o descarte”.
O respeito à cadeia de custódia protege a prova de questionamentos sobre sua autenticidade e evita nulidades processuais. Sua violação pode levar à desconsideração da prova, mesmo que ela favoreça o réu, caso não seja possível garantir sua confiabilidade.
A Cadeia de Custódia na Prática da Investigação Defensiva
Na atuação defensiva, a cadeia de custódia assume papel central para assegurar que os elementos colhidos possam ser efetivamente utilizados no processo. Ainda que a investigação não seja conduzida por autoridade policial, a defesa deve se orientar pelos mesmos padrões técnicos e éticos exigidos.
A adoção dessas medidas permite que a prova colhida pela defesa seja recebida com credibilidade e robustez, evitando alegações de contaminação, manipulação ou falsidade.
Riscos da Inobservância da Cadeia de Custódia
A inobservância da cadeia de custódia compromete a confiança do Judiciário na prova. Jurisprudência atual demonstra crescente preocupação com a autenticidade de provas digitais, documentais e periciais, especialmente em casos onde há lacunas no processo de guarda e transporte dos vestígios.
No contexto da investigação defensiva, isso significa que uma prova potencialmente decisiva pode ser descartada ou desvalorizada, se não houver comprovação técnica de sua origem e integridade.
A doutrina majoritária também reconhece que a ausência da cadeia de custódia não apenas compromete a validade da prova, mas pode gerar responsabilização disciplinar e criminal, caso a manipulação dos elementos probatórios seja dolosa.
A cadeia de custódia é elemento estruturante do processo penal democrático e deve ser rigorosamente observada por todos os sujeitos processuais, inclusive pela defesa técnica. A investigação defensiva, embora instrumento legítimo e necessário à paridade de armas, exige o mesmo grau de cuidado e comprometimento técnico na produção das provas.
Garantir a cadeia de custódia é garantir a verdade no processo — e, sobretudo, a legitimidade da atuação da defesa como agente da justiça. Ao zelar pela integridade das provas que colhe, a defesa não apenas protege os direitos do acusado, mas fortalece a credibilidade do sistema de justiça penal como um todo.
Fontes
- Lei nº 13.245/2016 https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2016/lei/l13245.htm ↩︎
- Provimento Nº 188/2018 art. 3º do Estatuto da OAB https://www.oab.org.br/leisnormas/legislacao/provimentos/188-2018 ↩︎
- art. 5º, incisos LIV e LV https://modeloinicial.com.br/lei/CF/constituicao-federal/art-5#:~:text=LIV%20-%20ninguém%20será%20privado%20da,e%20recursos%20a%20ela%20inerentes; ↩︎
- artigos 158-A a 158-F do Código de Processo Penal https://www.projuris.com.br/cpp/art-158-ao-art-184-do-cpp/ ↩︎
- Artigo 158-A do CPPhttps://www.jusbrasil.com.br/topicos/250911206/artigo-158a-do-decreto-lei-n-3689-de-03-de-outubro-de-1941 ↩︎
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