Por Silvana de Oliveira – Perita Judicial, Grafotécnica, Especialista em Provas Digitais e Investigação Forense
O Direito de Nascer: Pode Alguém Processar os Pais por Existir?
Imagine abrir o noticiário e se deparar com a manchete: “Homem processa a própria mãe por tê-lo parido sem seu consentimento1.” À primeira vista, a frase pode parecer absurda — até cômica. Mas ela levanta questões profundas e contemporâneas sobre autonomia, consentimento, responsabilidade parental e os limites do Direito.
Um homem de 27 anos está tentando processar seus pais com base no fato de que ele nunca consentiu em nascer. O empresário de Mumbai Raphael Samuel2 se identifica como um antinatalista“de ”, o que significa que ele acredita que o nascimento tem um valor negativo e a procriação é moralmente errada. E como é impossível perguntar aos nascituros se eles querem ser trazidos ao mundo, Raphael argumenta que é errado tê-los. “Não foi nossa decisão nascer,” ele disse ao BBC—e assim, na visão dele, é perfeitamente razoável exigir uma recompensa.
O caso (hipotético ou real?): entre o absurdo e o provocador
Ainda que o caso pareça anedótico (ou até fake news), já foi ventilado por movimentos como o antinatalismo3, que defendem que é imoral colocar um ser humano no mundo sem o seu consentimento prévio — já que a vida implica sofrimento inevitável. Um exemplo notório é o do indiano Raphael Samuel4, que anunciou em 2019 que pretendia processar os pais por tê-lo gerado sem permissão. Por mais que a Justiça jamais acolha uma ação assim, a ideia nos obriga a refletir sobre temas delicados e importantes para o campo jurídico e ético.
Consentimento pré-natal: um paradoxo lógico
Do ponto de vista lógico e jurídico, é impossível obter o consentimento de alguém que ainda não existe. O princípio do consentimento exige capacidade civil, consciência e liberdade de escolha — condições inexistentes antes do nascimento. Portanto, não há base legal para responsabilizar os pais por essa “falta de autorização”.
Parentalidade e responsabilidade civil: o que diz o Direito
A legislação brasileira, por meio do Código Civil e do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), trata da responsabilidade dos pais a partir do nascimento — e até antes dele, nos casos de gestação que envolvem proteção do nascituro (art. 2º do CC/20025). O Direito não prevê “indenização por nascer”, mas reconhece o dever dos pais de proporcionar condições dignas à criança, garantindo saúde, educação, afeto e estrutura emocional. Caso falhem nesse papel, podem sim ser responsabilizados — mas nunca por terem gerado o filho, e sim por omissões ou abusos no exercício da paternidade/maternidade.
Filosofia jurídica: o antinatalismo como provocação social
O antinatalismo6 traz à tona o debate sobre até onde vai a liberdade dos pais em decidir sobre a vida de outra pessoa. Essa linha filosófica não propõe uma norma jurídica prática, mas sim um alerta para o papel ético dos adultos frente à decisão de colocar um novo ser no mundo. Na prática, esse movimento convida o Direito e a sociedade a refletirem sobre qualidade de vida, planejamento familiar, responsabilidade e empatia.
A Justiça não está preparada — e provavelmente nunca estará — para julgar o direito de não nascer. Mas está, sim, comprometida em garantir que toda pessoa nascida tenha acesso à dignidade, à proteção e à equidade. Este artigo pode parecer absurdo, mas nos convida a pensar: estamos realmente preparados para exercer a parentalidade com consciência? E será que o Direito precisa evoluir ainda mais no sentido de prevenir sofrimentos evitáveis antes mesmo da concepção?
Fonte:
- ‘Prefiro Não Estar Aqui.’ Filho Quer Processar os Pais Porque Não Consentiu Nascer https://goo.su/Mb5j7 ↩︎
- Um Índio Está Processando Seus Pais por Concebê-lo Sem Seu Consentimento https://goo.su/IDdzKS ↩︎
- Indiano de 27 anos processa os pais por ter nascido https://goo.su/aFNVhcW ↩︎
- Raphael vai processar os pais porque o trouxeram ao mundo sem ele pedir https://goo.su/GUYYg ↩︎
- Art. 2º do CC/2002 https://goo.su/XVKVkEe ↩︎
- Antinatalismo https://goo.su/rxcaMj ↩︎
Vimos que você gostou e quer compartilhar. Sem problemas, desde que cite o link da página. Lei de Direitos Autorais, (Lei 9610 de 19/02/1998), sua reprodução total ou parcial é proibida nos termos da Lei
