Pode uma Prova Ser Lícita e Ilegal ao Mesmo Tempo? LGPD, Cadeia de Custódia e os Limites da Investigação.

Por Silvana de Oliveira – Perita Judicial, Grafotécnica, Especialista em Provas Digitais e Investigação Forense

A Investigação Forense e o Tratamento de Dados em Conformidade com a LGPD: Desafios da Cadeia de Custódia Digital e as Bases Legais Aplicáveis

A crescente digitalização das relações sociais e econômicas trouxe novos desafios para a investigação forense, especialmente no que diz respeito ao tratamento de dados pessoais. No contexto jurídico brasileiro, a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (Lei nº 13.709/2018 – LGPD1) impõe regras claras para coleta, uso, armazenamento e descarte de dados, inclusive em processos judiciais e investigações. Este artigo aborda como conciliar as exigências da LGPD com a prática da cadeia de custódia e da prova digital, assegurando a integridade da investigação sem violar direitos fundamentais.

O que é a Cadeia de Custódia e por que ela importa?

A cadeia de custódia é o conjunto de procedimentos utilizados para garantir a integridade, autenticidade, origem e rastreabilidade de uma prova – desde a sua coleta até a apresentação em juízo. Ela se aplica tanto a objetos físicos (como armas e documentos) quanto a evidências digitais (como e-mails, áudios, logs de acesso, prints de conversas, etc.). Sem uma cadeia de custódia bem documentada, qualquer evidência pode ser contestada em juízo, comprometendo a investigação e a credibilidade do perito ou assistente técnico.

O tratamento de dados pessoais nas investigações: o que a LGPD exige?

A LGPD estabelece que o tratamento de dados pessoais, inclusive sensíveis, deve observar princípios como:

  • Finalidade: uso específico, legítimo e informado ao titular;
  • Necessidade: limitação ao mínimo necessário;
  • Transparência: informações claras sobre o tratamento;
  • Segurança: medidas técnicas e administrativas para proteção dos dados.

Entretanto, a própria LGPD não impede investigações criminais ou judiciais, desde que observadas as bases legais aplicáveis.

Bases legais que autorizam o uso de dados em investigações forenses

As principais bases legais da LGPD que autorizam o tratamento de dados pessoais em contexto forense ou judicial são:

Cumprimento de obrigação legal ou regulatória (Art. 7º, II2)

Aplicável quando a coleta e análise de dados é exigida por lei – por exemplo, em cumprimento de ordem judicial, em perícia determinada por juiz ou em apuração criminal.

Execução de políticas públicas (Art. 7º, III3)

Em investigações conduzidas por órgãos públicos, como delegacias ou Ministérios Públicos, para fins de segurança pública, prevenção de crimes, etc.

Exercício regular de direitos em processo judicial, administrativo ou arbitral (Art. 7º, VI4)

É a base mais relevante para peritos, advogados e assistentes técnicos. Permite o uso de dados (inclusive sensíveis) para produção de prova, inclusive na investigação defensiva (Lei 13.245/165), perícias grafotécnicas, análises de dispositivos, entre outros.

Proteção do crédito (Art. 7º, X6)

Embora mais comum em litígios cíveis e de consumo, pode se aplicar em investigações envolvendo fraudes financeiras, por exemplo.

🔐 Importante: Dados sensíveis (como biometria, religião, dados de saúde) exigem bases específicas – geralmente a do exercício regular de direitos (Art. 11, II, ‘a’7) em perícias técnicas ou diligências judiciais.

Cuidados práticos na investigação forense em conformidade com a LGPD

A atuação forense, para ser legítima e eficaz, deve adotar práticas que respeitem a legislação: Minimização, Segurança, Consentimento, Registro da cadeia de custódia, Eliminação segura e Treinamento das equipes: Pessoas envolvidas no processo.

Desafios e reflexões finais

O maior desafio hoje está em educar os profissionais do Direito e da perícia para atuarem com ética, técnica e segurança, conciliando o uso legítimo de provas com o respeito aos direitos dos titulares de dados. A LGPD não é um obstáculo, mas um instrumento de segurança jurídica, que protege tanto a parte investigada quanto a parte investigadora, desde que corretamente aplicada.

Como perita e investigadora forense, é fundamental não apenas conhecer a legislação, mas integrá-la à sua prática com documentação detalhada, processos auditáveis e respeito à privacidade, o que fortalece a confiabilidade das provas produzidas.

Referências legais citadas:

  1. Lei nº 13.709/2018 – LGPD https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2018/lei/l13709.htm ↩︎
  2. Cumprimento de obrigação legal ou regulatória (Art. 7º, II https://lgpd-brasil.info/capitulo_02/artigo_07 ↩︎
  3. Execução de políticas públicas (Art. 7º, III https://lgpd-brasil.info/capitulo_02/artigo_07 ↩︎
  4. Exercício regular de direitos em processo judicial, administrativo ou arbitral (Art. 7º, VI) https://lgpd-brasil.info/capitulo_02/artigo_07 ↩︎
  5. Investigação defensiva (Lei 13.245/16) https://legislacao.presidencia.gov.br/atos/?tipo=LEI&numero=13245&ano=2016&ato=a60IzYq50dZpWTfd1 ↩︎
  6. Proteção do crédito (Art. 7º, X) https://lgpd-brasil.info/capitulo_02/artigo_07 ↩︎
  7. Exercício regular de direitos (Art. 11, II, ‘a’) https://lgpd-brasil.info/capitulo_02/artigo_11 ↩︎