Valor de Referência: Quando o Estado Define o Preço do Seu Imóvel

Por Silvana de Oliveira  Perita Judicial, Grafotécnica, Especialista em Provas Digitais e Investigação Forense

O Valor de Referência Imobiliário na Lei Complementar nº 214/2025: Aspectos Jurídicos e Aplicações Práticas

A Lei Complementar nº 214, de 16 de janeiro de 2025, trouxe significativas inovações no campo da administração tributária, especialmente quanto à apuração do valor de referência dos bens imóveis. O artigo 256 da referida norma estabelece os critérios, fundamentos e efeitos jurídicos da estimativa do valor de mercado dos imóveis, impactando diretamente questões como tributação, fiscalização, e segurança jurídica nas transações imobiliárias.

Conceito e Finalidade do Valor de Referência

O valor de referência é uma estimativa do valor de mercado dos bens imóveis, que poderá ser apurado pelas administrações tributárias mediante metodologia específica, conforme regulamentação. Essa ferramenta tem como objetivo evitar subfaturamentos em transações imobiliárias e promover maior isonomia na base de cálculo de tributos como ITBI, ITCMD, IPTU e IR sobre ganho de capital.

Critérios Técnicos da Estimativa

Segundo o caput do art. 256, a metodologia de apuração deverá considerar:

  • I – Análise de preços praticados no mercado imobiliário: envolve estudos comparativos com imóveis semelhantes, com base em dados de compra e venda.
  • II – Informações das administrações tributárias (União, DF, Estados e Municípios): favorece a integração e padronização nacional de dados.
  • III – Informações dos cartórios (registrais e notariais): fontes formais e fidedignas, obrigadas a comunicar operações ao Fisco.
  • IV – Características específicas do imóvel: localização, tipo, uso, padrão construtivo, área e data de construção.

Essa estrutura permite um cruzamento inteligente de dados, reforçando a fiscalização qualificada e digitalizada, alinhada com o conceito de governo eletrônico.

Efeitos Jurídicos: Utilização e Impugnação

O § 1º autoriza o uso do valor de referência como meio de prova no arbitramento de valores, principalmente quando há indícios de subdeclaração na operação, conforme o art. 13 da mesma lei.

Já o § 3º assegura ao contribuinte o direito à impugnação do valor de referência por procedimento específico, o que é essencial para preservar o devido processo legal, o contraditório e a ampla defesa.

Transparência e Publicidade: O Papel do Sinter

O § 2º estabelece que os valores de referência devem ser:

  • Disponibilizados no Sistema Nacional de Gestão de Informações Territoriais (Sinter);
  • Estendidos a todos os bens imóveis que compõem o Cadastro Imobiliário Brasileiro (CIB);
  • Atualizados anualmente.

O Sinter, portanto, funciona como plataforma nacional de referência, promovendo transparência pública e acesso equitativo às informações que embasam a tributação e o planejamento urbano.

Obrigatoriedade de Compartilhamento pelos Cartórios

O § 4º reforça a obrigatoriedade dos serviços registrais e notariais de compartilharem as informações das operações com imóveis diretamente no Sinter. Isso fortalece o princípio da cooperação entre os entes e promove uma administração tributária mais eficiente e preventiva, ao reduzir a dependência exclusiva da declaração do contribuinte.

Considerações Práticas e Estratégicas

Do ponto de vista tributário, pericial e registral, a adoção do valor de referência:

  • Reduz fraudes e simulações em escrituras subavaliadas;
  • Exige atenção redobrada de advogados, peritos e contadores em negócios jurídicos imobiliários;
  • Pode ser alvo de questionamentos judiciais, especialmente quando houver discrepância entre o valor de mercado real e o valor arbitrado administrativamente;
  • Reforça a importância da gestão integrada de dados imobiliários, tanto por entes públicos quanto por operadores do Direito.

O art. 256 da LC nº 214/20251 marca um avanço na modernização da tributação imobiliária e no uso inteligente de dados públicos. No entanto, sua aplicação exige equilíbrio entre eficiência arrecadatória e garantias constitucionais, com especial atenção ao direito de impugnação e à transparência dos critérios de cálculo. O desafio será tornar o valor de referência um instrumento técnico confiável, sem transformá-lo em mais um fator de litigiosidade tributária. a Lei já está em vigor desde a publicação. Mas só produzirá efeitos fiscais e operacionais a partir de 1º de janeiro de 2026.

  1. Fonte: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lcp/lcp214.htm ↩︎