Por Silvana de Oliveira – Perita Judicial, Grafotécnica, Especialista em Provas Digitais e Investigação Forense
Com a expansão dos meios eletrônicos e a crescente desmaterialização dos documentos, a assinatura digital passou a ser elemento essencial na comprovação da autenticidade e integridade de atos jurídicos realizados no meio virtual. Mas, afinal, a assinatura digital pode ser considerada uma prova digital em si mesma? A resposta é: sim, porém com ressalvas técnicas e legais que precisam ser cuidadosamente avaliadas durante uma perícia digital.
Conceito e Natureza Jurídica da Assinatura Digital
A assinatura digital é um método criptográfico que utiliza certificados emitidos no âmbito da Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira (ICP-Brasil), conforme previsto na Medida Provisória nº 2.200-2/2001.
Seu objetivo é garantir:
- Autenticidade → comprova que o signatário é quem afirma ser;
- Integridade → assegura que o conteúdo não foi alterado após a assinatura;
- Não repúdio → impede que o autor negue posteriormente a autoria.
Do ponto de vista jurídico, o art. 10, §1º da MP 2.200-2/20011 dispõe que:
“As declarações constantes dos documentos em forma eletrônica produzidos com a utilização de processo de certificação disponibilizado pela ICP-Brasil presumem-se verdadeiros em relação aos signatários.”
Portanto, a assinatura digital qualificada (emitida pela ICP-Brasil) tem presunção legal de validade. Já as assinaturas eletrônicas não qualificadas (como as feitas por plataformas privadas ou biometria) exigem prova complementar de autenticidade.
A Assinatura Digital como Prova Digital
Tecnicamente, a assinatura digital é uma forma de prova digital, mas ela não é autossuficiente. A sua força probatória depende da cadeia de custódia e da preservação dos metadados associados.
Pontos Técnicos Relevantes na Perícia
Durante uma perícia em assinatura digital, os seguintes aspectos são fundamentais:
| Elemento | Verificação Técnica | Finalidade Probatória |
|---|---|---|
| Certificado ICP-Brasil | Validade, titularidade e revogação | Comprovar autenticidade do signatário |
| Hash do documento | Comparação entre versões | Garantir integridade |
| Timestamp | Validação com autoridade de tempo | Confirmar data/hora da assinatura |
| Metadados | Preservação e coerência interna | Contextualizar a criação e uso do documento |
| Cadeia de Custódia | Registro do processo de obtenção da prova | Evitar contaminação ou nulidade |
| Log de sistema | Eventos de criação, envio, abertura | Sustentar coerência cronológica dos fatos |
Pontos Legais a Considerar
- MP 2.200-2/20012 → Base legal da ICP-Brasil;
- Lei nº 14.063/20203 → Classifica os tipos de assinatura eletrônica: simples, avançada e qualificada;
- Lei nº 13.709/2018 (LGPD)4 → Proteção dos dados pessoais envolvidos no processo de autenticação;
- Marco Civil da Internet (Lei nº 12.965/2014)5 → Guarda e fornecimento de registros eletrônicos;
- Resoluções CNJ nº 185/20136 e nº 335/20207 → Uso de certificados e documentos eletrônicos no Judiciário;
- CPC, art. 411, II e art. 4398 → Validade e impugnação de documentos eletrônicos.
A assinatura digital é sim uma prova digital, mas sua validade depende da análise de contexto técnico e jurídico. Ela não garante por si só a veracidade do conteúdo, apenas autentica o signatário e assegura a integridade do arquivo no momento da assinatura.
Do ponto de vista pericial:
“A assinatura digital deve ser avaliada em conjunto com os metadados, logs e cadeia de custódia, pois qualquer falha nesses elementos pode comprometer a confiabilidade da prova.”
Portanto, o perito não se limita à validação do certificado, mas deve examinar todo o ecossistema probatório que envolve o documento digital.
Ignorar a cadeia de custódia em uma prova digital (como uma assinatura digital, e-mail, imagem ou documento eletrônico) é um erro técnico grave, com impactos diretos na validade jurídica e na credibilidade pericial.
O que é a Cadeia de Custódia e Por que Ela é Essencial
A cadeia de custódia é o conjunto de procedimentos documentados que garantem a rastreabilidade da prova digital, desde sua coleta até sua apresentação em juízo. Ela assegura que a evidência não foi alterada, manipulada ou contaminada. No caso da assinatura digital, a cadeia de custódia envolve:
- preservação do arquivo original assinado (sem reenvios ou conversões);
- verificação da integridade do hash;
- guarda dos logs do sistema ou plataforma;
- documentação das etapas de verificação (análise do certificado, timestamp, metadados etc.).
Consequências Técnicas e Jurídicas da Inobservância da Cadeia de Custódia em Assinaturas Digitais
A inobservância dos protocolos de cadeia de custódia em um artefato digital, como uma assinatura digital, compromete diretamente a fidedignidade, autenticidade e integridade da evidência eletrônica, podendo invalidar sua utilização como meio de prova.
Em termos técnico-periciais, a cadeia de custódia é o processo documentado que assegura a rastreabilidade completa da evidência — desde sua coleta, preservação e análise até sua apresentação em juízo — garantindo que o material periciado permaneça idêntico ao original e livre de contaminações digitais.
Quando advogado, assistente técnico ou perito deixam de observar ou comprovar a cadeia de custódia, ocorrem as seguintes implicações:
Comprometimento da Integridade da Prova Digital
Sem cadeia de custódia, não é possível assegurar que o arquivo analisado é o mesmo originalmente produzido ou assinado. Qualquer manipulação, reenvio, regravação, conversão ou acesso indevido pode alterar: hashes criptográficos; metadados; vínculos de certificação. Essas alterações inviabilizam a validação técnica do documento, tornando-o um artefato de valor probatório tecnicamente duvidoso ou imprestável.
A ausência de registro de procedimentos técnicos — como logs de coleta, ambiente de extração, ferramentas utilizadas e hash de controle — rompe a rastreabilidade da evidência digital. Com isso, não há como comprovar a linha temporal da prova, tampouco a legitimidade das ações executadas sobre o arquivo. Em perícias digitais, qualquer variação não documentada entre o estado original e o estado analisado caracteriza contaminação de evidência.
Inadmissibilidade Processual e Perda da Força Probatória
Do ponto de vista jurídico-probatório, a falta de cadeia de custódia:
- inviabiliza a verificação da autenticidade (CPC, art. 411, II);
- pode fundamentar a impugnação do documento eletrônico (CPC, art. 429, II);
- e, por analogia ao art. 158-A do CPP, enseja a inadmissibilidade da prova por ausência de confiabilidade técnico-científica.
Em consequência, o documento digital poderá ser desconsiderado pelo juízo, restando sem valor probatório idôneo.
A ausência de cadeia de custódia compromete a metodologia técnico-científica da perícia, violando o disposto no art. 473, II e §1º do CPC, que exige fundamentação técnica, metodologia validada e descrição do objeto analisado. Em termos práticos, a perícia torna-se opinativa, e não técnica, pois carece de lastro verificável.
Insegurança Jurídica e Violação a Princípios Processuais
A inobservância da cadeia de custódia viola:
- o princípio da confiabilidade da prova digital;
- o devido processo legal e o contraditório e ampla defesa (CF, art. 5º9, LV); Comprometimento da busca da verdade real, já que não há garantia de integridade da evidência.
- Inadmissibilidade da prova: Com base no art. 158-A10 do CPP (aplicável por analogia), a ausência de cadeia de custódia torna a prova ilícita ou imprestável. O magistrado pode desconsiderar totalmente a prova digital.
- e o princípio da prevenção e segurança da informação, previstos no art. 6º da LGPD.
Sem rastreabilidade técnica, não é possível garantir a integridade do dado pessoal nem a autenticidade da manifestação de vontade digital do signatário.
A ausência de observância à cadeia de custódia em uma assinatura digital compromete de forma irremediável a confiabilidade da evidência eletrônica, tornando inviável a validação da integridade e autenticidade do arquivo. Do ponto de vista pericial, isso configura quebra metodológica grave, passível de nulidade da prova e de rejeição do laudo por ausência de rigor técnico e rastreabilidade comprovada.
Ignorar a cadeia de custódia em uma assinatura digital invalida a confiabilidade da prova e compromete o valor pericial. Mesmo que a assinatura pareça legítima, sem rastreabilidade não há garantia de autenticidade nem integridade.
“A ausência de cadeia de custódia compromete a rastreabilidade da assinatura digital, tornando impossível assegurar que o arquivo analisado permaneceu idêntico ao original, o que impede sua validação técnica e sua utilização segura como meio de prova.”
No contexto da justiça digital, compreender a natureza da assinatura digital é fundamental para evitar decisões baseadas apenas em aparente autenticidade técnica.
A perícia deve atuar como o elo entre a tecnologia e o direito, assegurando que o valor probatório de um documento digital seja sustentado não apenas por sua forma criptográfica, mas por um conjunto coerente de evidências digitais preservadas e verificáveis.
- art. 10, §1º da MP 2.200-2/2001https://www.jusbrasil.com.br/topicos/11335132/paragrafo-1-artigo-10-da-medida-provisoria-n-2200-2-de-24-de-agosto-de-2001 ↩︎
- MP 2.200-2/2001 https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/mpv/antigas_2001/2200-2.htm ↩︎
- Lei nº 14.063/2020 https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2020/lei/l14063.htm ↩︎
- Lei nº 13.709/2018 (LGPD) https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2018/lei/l13709.htm ↩︎
- Marco Civil da Internet (Lei nº 12.965/2014) https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2014/lei/l12965.htm ↩︎
- Resoluções CNJ nº 185/2013 https://atos.cnj.jus.br/files/compilado180953202010085f7f55f183e07.pdf ↩︎
- Resoluções CNJ nº 335/2020 https://atos.cnj.jus.br/atos/detalhar/3496 ↩︎
- CPC, art. 411, II e art. 439 https://www.projuris.com.br/novo-cpc/art-439-a-441-do-novo-cpc ↩︎
- CF, art. 5º, LV https://www.jusbrasil.com.br/topicos/10728312/inciso-lv-do-artigo-5-da-constituicao-federal-de-1988 ↩︎
- art. 158-A do CPP https://www.jusbrasil.com.br/topicos/250911206/artigo-158a-do-decreto-lei-n-3689-de-03-de-outubro-de-1941 ↩︎
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