Manipulação de Sites, Alteração de Informações Online e o Uso de Prints Falsos: quando as aparências enganam e distorcem a verdade

Por Silvana de Oliveira  Perita Judicial, Grafotécnica, Especialista em Provas Digitais e Investigação Forense.

A transformação digital expandiu o campo em que fatos, narrativas e provas são construídos. No processo penal, essa realidade ganha contornos ainda mais delicados: vestígios digitais se tornaram protagonistas em investigações envolvendo crimes cibernéticos, organizações criminosas, lavagem de dinheiro, tráfico de drogas e delitos patrimoniais. Mas esse protagonismo vem acompanhado de um alerta urgente: provas digitais somente têm validade se forem tratadas com rigor técnico e jurídico, em conformidade com a cadeia de custódia prevista no Código de Processo Penal.

Entre todos os problemas que afetam a autenticidade desses vestígios, um tem se tornado cada vez mais comum e perigoso: a fabricação de prints falsos1, especialmente de conversas em WhatsApp e manipulação de páginas na internet para simular conteúdos inexistentes ou adulterados.

E o risco é real. Hoje, qualquer pessoa consegue criar uma conversa totalmente forjada em poucos segundos. Aplicativos como FakeChatMaker, FakeWhats e PrankShit permitem simular diálogos completos com nome, foto, horário, emojis e layout idêntico ao WhatsApp. A imagem produzida é limpa, convincente e o mais assustador totalmente desprovida de rastros técnicos que permitam aferir sua veracidade.

Para quem não está familiarizado com investigação digital, a captura de tela costuma transmitir a sensação de verdade. Mas essa sensação é apenas isso: uma sensação. A imagem não contém metadados, não preserva informações do ambiente original e pode ser manipulada inúmeras vezes, sem deixar marcas visíveis ao olhar leigo. A prova que parece sólida é, na verdade, frágil como vidro fino.

Cadeia de custódia: o escudo jurídico contra manipulações

A Constituição Federal garante contraditório, ampla defesa e devido processo legal (art. 5º, incisos LIV e LV). No universo da prova digital, essas garantias só existem quando se respeita a cadeia de custódia, disciplinada nos artigos 158-A a 158-F do CPP, incluídos pela Lei Anticrime (Lei nº 13.964/2019).

A cadeia de custódia funciona como um “rastreamento do vestígio” desde o momento em que ele é coletado até sua apresentação no processo. Sem essa trilha documental completa, a prova perde credibilidade e pode ser declarada nula.

O Superior Tribunal de Justiça tem reafirmado esse entendimento. No HC 828.054/RN, a 5ª Turma anulou provas constituídas apenas por prints do WhatsApp, reconhecendo ausência de confiabilidade técnica. No HC 900.613/MG, o Tribunal reforçou que a coleta sem validação pericial da autenticidade representa violação grave à isonomia processual. A mensagem é clara: imagem sem origem comprovada não é prova — é alegação.

Por que prints de WhatsApp são provas frágeis?

Ao contrário do que parece, o print:

  • não contém metadados da conversa original;
  • não revela o dispositivo, número, IP ou sistema operacional envolvidos;
  • não possui hash de integridade;
  • não demonstra cadeia de custódia;
  • não impede edição prévia ou montagem em aplicativos falsificadores.

Ou seja: a imagem é apenas uma representação visual, não um registro técnico confiável. Muita gente tenta complementar essa fragilidade com ata notarial, mas isso não resolve o problema. A ata apenas certifica que o tabelião viu determinada imagem no momento do acesso não a autenticidade técnica, não a origem, muito menos se houve manipulação anterior.

POP 2024 e normas internacionais: padrões que garantem segurança

O Ministério da Justiça vem avançando na padronização dos protocolos de tratamento de vestígios digitais, especialmente com o POP 2024, que determina que nenhuma análise deve iniciar sem que seja gerada uma cópia forense certificada do dispositivo examinado. Essa etapa assegura que o dado original seja preservado e que a defesa possa atuar de forma plena, inclusive com assistente técnico (art. 159, §5º, CPP).

A lógica é semelhante ao acompanhamento de um pedido de delivery: você só confia no conteúdo se o lacre estiver intacto. No processo penal, qualquer “lacre violado” transforma a prova em algo inservível. Esse rigor também está alinhado à ISO/IEC 27037, padrão internacional para identificação e preservação de evidências digitais essencial para garantir rastreabilidade e autenticidade.

Manipulação de sites: a nova fronteira da fraude digital

Além de conversas falsas, cresce o uso de ferramentas que permitem alterar páginas da web localmente, ou ate mesmo por uma simples alteração das fontes aberta, criando simulações de sites oficiais, extratos bancários, perfis de redes sociais e páginas institucionais. O resultado é uma captura de tela com aparência legítima, mas construída sobre uma página manipulada no navegador. Essa técnica alimenta fraudes, extorsões, fake news. E, novamente, o vestígio final é uma imagem tecnicamente insuficiente para ser considerada prova válida.

Tecnologia a serviço da verdade: o Ávilla Forense

Nesse cenário, ferramentas estruturadas e auditáveis se tornam essenciais. O Ávilla Forense, ferramenta brasileira, já é referência por sua capacidade de: realizar extração bit a bit; recuperar arquivos apagados; registrar logs e metadados; gerar hashes de verificação; documentar toda a cadeia de custódia automaticamente. Ou seja, oferece o que os prints não oferecem: lastro técnico e rastreabilidade. Com a expansão planejada para 2025, a ferramenta deve democratizar ainda mais o acesso à perícia digital, atendendo advogados, peritos, investigadores, defensores públicos e membros do Ministério Público.

no processo penal, aparência não é prova

O sistema de justiça não pode aceitar vestígios frágeis travestidos de evidência. A aparência não substitui a existência e, no ambiente digital, a linha entre verdade e manipulação pode ser perigosamente tênue. A aceitação acrítica de prints e imagens abre as portas para:

  • fraudes processuais,
  • falsificação de provas,
  • condenações injustas,
  • violação da paridade de armas,
  • enfraquecimento da confiança no sistema penal.

Por isso, operadores do direito precisam abandonar definitivamente a cultura do “print como prova” e adotar, sem concessões, os parâmetros legais da cadeia de custódia, o POP 2024 e as normas técnicas internacionais. Se ainda restar dúvida, experimente você mesmo: crie um print falso. É rápido, fácil e assustadoramente convincente. E é exatamente por isso que o processo penal não pode confiar em aparências.

É justamente nesse ponto que o trabalho do perito forense se torna fundamental. Diferentemente do usuário comum, que apenas “vê” a imagem na tela, o perito observa e reconstrói os bastidores digitais: metadados, logs, hashes, trilhas internas do sistema e toda a cadeia técnica necessária para validar um vestígio.

⚠️ ALERTA: PRINT NÃO É PROVA!

No contencioso atual, especialmente em ações trabalhistas, cíveis e penais, é cada vez mais comum que partes apresentem prints de WhatsApp, capturas de tela de sites e imagens isoladas como se fossem provas robustas. Em matéria digital, quem vê print não vê verdade vê apenas uma imagem. E quem acredita em aparências pode ser a próxima vítima.

  1. Fonte: https://www.conjur.com.br/2025-mai-09/como-criar-prints-falsos-quando-as-aparencias-enganam-e-a-cadeia-de-custodia-dos-vestigios-digitais/ ↩︎