Por Silvana de Oliveira – Perita Judicial, Grafotécnica, Especialista em Provas Digitais e Investigação Forense
A recente decisão da 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça1 reacende um debate central no Direito Marcário brasileiro: até onde vai o direito de exclusividade conferido pelo registro de marca? A controvérsia envolveu a Companhia Brasileira de Distribuição, titular da marca amplamente conhecida “Extra”, e a empresa “Extra Celulares Ltda”, pequena sociedade empresária de assistência técnica localizada em Minas Gerais.
O caso concreto
Na origem, a Companhia Brasileira de Distribuição ajuizou ação de abstenção de uso de marca, sustentando que a utilização do termo “Extra” no nome empresarial e no domínio eletrônico da ré violaria seu direito de exclusividade, além de gerar confusão ou associação indevida por parte dos consumidores.
A alegação central da autora era de que a notoriedade da marca “Extra”, amplamente difundida no território nacional, seria suficiente para impedir qualquer uso do termo por terceiros, ainda que em segmentos distintos.
Entendimento das instâncias ordinárias
O juízo de primeiro grau julgou os pedidos improcedentes, assentando que a palavra “extra” possui caráter genérico e de uso comum, não sendo apropriável de forma absoluta. Além disso, destacou que as partes atuam em ramos de atividade completamente distintos, afastando o risco de confusão ou aproveitamento parasitário.
O Tribunal de Justiça de São Paulo manteve a sentença, reforçando dois pontos relevantes:
- A marca “Extra”, embora amplamente conhecida, não possui reconhecimento formal de alto renome pelo INPI;
- Não se verifica risco concreto de confusão entre um grande varejista nacional e uma pequena empresa local de assistência técnica.
A decisão do STJ e a reafirmação de critérios técnicos
Ao analisar o recurso especial, a 3ª Turma do STJ, sob a relatoria do Ministro Moura Ribeiro, negou provimento ao recurso, consolidando entendimento alinhado à Lei da Propriedade Industrial (Lei nº 9.279/96).
O Tribunal foi categórico ao afirmar que a proteção especial conferida às marcas de alto renome (art. 125 da LPI) não decorre automaticamente da fama mercadológica. Trata-se de um status jurídico específico, que depende de procedimento administrativo próprio perante o INPI, com critérios técnicos rigorosos.
Sem esse reconhecimento formal, a marca permanece sujeita ao regime geral previsto no art. 129 da LPI, que assegura exclusividade dentro do segmento de atuação e desde que haja possibilidade de confusão ou associação indevida.
Da ementa do acórdão, extraem-se fundamentos essenciais:
“O registro de uma marca no Instituto Nacional da Propriedade Industrial confere ao seu titular o direito de uso exclusivo em todo o território nacional, nos termos do art. 129 da Lei nº 9.279/96. Apenas as marcas de alto renome, porém, têm assegurada, nos termos do art. 125 do mesmo diploma, proteção em todos os ramos de atividade.”
Convivência de marcas e função econômica do direito marcário
A decisão reafirma uma diretriz fundamental do sistema marcário brasileiro: o direito de marca não confere monopólio absoluto sobre palavras de uso comum, tampouco autoriza a supressão da livre iniciativa quando não há risco real ao consumidor.
O Direito Marcário cumpre uma função econômica e informacional, voltada à identificação da origem dos produtos e serviços. Quando não há confusão, desvio de clientela ou diluição indevida, a convivência de marcas semelhantes especialmente em mercados distintos é juridicamente admissível.
Impactos práticos da decisão
O julgamento da 3ª Turma do STJ traz importantes reflexos práticos:
- Reforça a necessidade de estratégia administrativa junto ao INPI para titulares que pretendem proteção ampliada;
- Confere maior segurança jurídica a pequenos empreendedores, evitando a exclusão automática do uso de termos genéricos;
- Estabelece limites claros ao uso expansivo do argumento de notoriedade sem respaldo técnico-formal.
A decisão analisada consolida um entendimento equilibrado e tecnicamente consistente sobre o alcance da proteção marcária no Brasil. Ao exigir o reconhecimento formal do alto renome e valorizar a análise concreta do risco de confusão, o STJ reafirma que o sistema de marcas deve proteger tanto os direitos dos titulares quanto a livre concorrência e a função social da atividade empresarial.
- Fonte: https://vernalhapereira.com.br/marca-famosa-mas-sem-alto-renome-nao-e-protegida-contra-diluicao/?utm_source ↩︎
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