Por Silvana de Oliveira – Perita Judicial, Grafotécnica, Especialista em Provas Digitais e Investigação Forense
No contexto forense contemporâneo, a busca pela recuperação de mensagens apagadas em smartphones ou Iphone tornou-se uma demanda recorrente por parte de advogados, peritos e usuários finais. No entanto, os avanços tecnológicos em armazenamento, segurança de sistemas operacionais e criptografia de ponta a ponta impõem barreiras técnicas significativas a esse processo. Este artigo analisa, de forma crítica e acessível, os principais fatores que influenciam a possibilidade (ou impossibilidade) de recuperar mensagens excluídas de aplicativos como WhatsApp e Signal. São abordados aspectos como o funcionamento da memória flash, o papel da criptografia em dispositivos móveis, a estrutura dos bancos de dados SQLite utilizados pelos aplicativos de mensagens e as reais capacidades das ferramentas forenses disponíveis no mercado. Exemplos práticos e estudos de caso são apresentados para desmistificar concepções equivocadas e orientar juridicamente sobre o que é viável e o que não é, em termos de prova digital. O artigo propõe ainda recomendações para advogados, peritos e usuários sobre a correta gestão de expectativas em casos que envolvam mensagens apagadas.
No mundo hiperconectado atual, as mensagens em aplicativos como WhatsApp, Signal e Telegram tornaram-se parte fundamental da comunicação pessoal e profissional. No entanto, no contexto jurídico e pericial, uma dúvida recorrente é: é possível recuperar mensagens que foram apagadas?
Para responder com precisão, é necessário compreender como os dados são armazenados nos smartphones, as limitações técnicas da recuperação e as barreiras impostas pela segurança digital moderna. Este artigo apresenta uma análise aprofundada — e acessível — sobre o tema.
Como Funcionam os Armazenamentos em Smartphones
Diferente de computadores com HDs mecânicos, smartphones utilizam memória flash, semelhante à de SSDs e pendrives. Imagine uma estante de livros: cada livro representa um bloco de memória e cada página, um segmento de dados. Ao apagar uma mensagem, ela não é de fato eliminada; apenas o espaço é marcado como livre — como apagar com giz e ainda deixar vestígios.
Além disso, há o chamado wear leveling, que redistribui os dados para evitar o desgaste da memória em áreas específicas. Outro recurso é o Trim, que informa à memória quais blocos podem ser efetivamente apagados no futuro. Esses mecanismos tornam a “recuperação de dados” uma tarefa extremamente complexa.
🔍 Mito comum:
“Se eu apaguei, dá para recuperar” — FALSO, na maioria dos casos.
Criptografia: A Muralha das Mensagens
Atualmente, smartphones modernos são verdadeiros cofres digitais. Eles utilizam criptografia de dispositivo (iOS com Secure Enclave e Android com Titan M) e os aplicativos de mensagens adotam criptografia de ponta a ponta.
Mesmo que uma ferramenta forense consiga acessar o banco de dados de mensagens, sem a chave correta, tudo o que se obtém são dados embaralhados. Como explica o perito judicial Leandro Morales Baier Stefano:
“Muitas vezes nos perguntam: ‘É possível recuperar aquela conversa apagada?’ A resposta técnica mais honesta é: depende. Na maioria dos casos modernos, a criptografia torna isso inviável. O dado até pode estar lá, mas é como ter um cofre sem chave. A perícia digital precisa ser pautada por expectativas reais, não por mitos.”
O Papel dos Bancos de Dados (SQLite) nos Apps de Mensagens
A maioria dos aplicativos de mensagens usa SQLite, um banco de dados leve e local. Quando uma mensagem é apagada, ela apenas é marcada como “livre” no banco — ela continua lá, até ser sobrescrita.
Arquivos complementares como o WAL (Write-Ahead Log) e o SHM (Shared Memory) podem conter traços temporários, mas são voláteis. Se o app ou sistema executar a limpeza (comando VACUUM), essas informações são permanentemente apagadas.
🧩 Resumo de possibilidades (Tabela):
| Cenário | É possível recuperar? | Observações |
|---|---|---|
| SMS em Android antigo | Sim (parcial) | Se não houver criptografia e os dados não tiverem sido sobrescritos. |
| WhatsApp ou Signal criptografado | Não | Arquivos criptografados são inacessíveis sem chave. |
| WAL com mensagens apagadas | Pouco provável | Arquivo volátil, geralmente apagado em “checkpoints”. |
| Espaço livre no banco SQLite | Muito difícil | Dados podem ter sido sobrescritos. |
| Banco limpo com VACUUM | Não | Dados marcados como livres são apagados definitivamente. |
O Que as Ferramentas Forenses Conseguem (E o Que Não Conseguem)
Ferramentas como Cellebrite UFED, Oxygen Forensic e MSAB XRY são poderosas, mas não milagrosas. Funcionam como especialistas treinados para “abrir cofres”, mas enfrentam tecnologias cada vez mais seguras.
Tipos de extração:
- Lógica: coleta dados visíveis (mensagens ativas, fotos).
- Sistema de Arquivos: acessa estrutura interna, se tiver permissão.
- Física: copia bit a bit a memória — altamente restrita por criptografia.
Mesmo nas melhores condições, criptografias robustas, atualizações constantes dos sistemas operacionais e ausência de backups limitam a atuação forense.
Exemplos Reais
Caso 1: Mensagens do WhatsApp apagadas
Usuária solicita a recuperação. O celular está atualizado, com criptografia ativa. Resultado: nenhuma mensagem deletada foi recuperada.
Caso 2: Áudio “recuperado”
O perito encontra um arquivo de áudio fora do app. Na verdade, o áudio nunca foi apagado do sistema, apenas da interface do WhatsApp. Foi encontrado, não recuperado.
Caso 3: Print confundido com recuperação
A imprensa divulga “mensagens apagadas foram recuperadas”, mas o que havia eram capturas de tela antigas guardadas na galeria.
O Que Pode e o Que Não Pode Ser Recuperado
Pode (em geral):
- Arquivos apagados em cartão SD sem criptografia.
- Registros de chamadas/SMS em sistemas antigos.
- Backups anteriores (Google Drive, iCloud).
- Mensagens temporárias ainda não sobrescritas.
Não Pode (em geral):
- Mensagens deletadas em apps com criptografia forte e sem backup.
- Dados sobrescritos pela memória.
- Dados voláteis da RAM após reinicialização.
- Bancos de dados já limpos por manutenção.
Conclusão: Realidade, Não Mito
A ideia de que toda mensagem pode ser recuperada é, em 2025, uma ilusão. O cenário técnico é cada vez mais seguro e fechado, o que protege o usuário, mas dificulta a perícia.
É preciso alinhar expectativas: nem tudo pode ser recuperado — e quando pode, exige contexto, técnica e sorte. A perícia digital é uma investigação técnica, nem sempre com final feliz. E como reforça Leandro Morales Baier Stefano1:
“A perícia séria não promete o impossível. Ela trabalha com fatos, possibilidades e limites reais. Nosso papel é esclarecer, não alimentar fantasias.”
Recomendações para Profissionais do Direito
- Atue rápido: quanto mais cedo se agir, maiores as chances de preservação.
- Avalie o contexto técnico: modelo do aparelho, versão do sistema, backups existentes.
- Evite expectativas irreais: recuperação plena é exceção, não regra.
- Conte com especialistas confiáveis: nem tudo está perdido, mas exige conhecimento e método.
Fonte:
- Recuperação de mensagens apagadas em smartphones: mitos, realidades e recomendações https://www.conjur.com.br/2025-mai-30/recuperacao-de-mensagens-apagadas-em-smartphones-mitos-realidades-e-recomendacoes/ ↩︎
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