Por Silvana de Oliveira – Perita Judicial, Grafotécnica, Especialista em Provas Digitais e Investigação Forense
Vivemos em um mundo em que o crime também se digitalizou. Se antes a investigação criminal dependia de impressões digitais e câmeras de segurança, hoje o endereço IP tornou-se o “rastro invisível” que pode levar o perito e o juiz até o autor de um ilícito na internet. Entre os estudiosos que melhor traduzem esse fenômeno para o campo jurídico, destaca-se o Juiz Dr. Alexandre Morais da Rosa1, referência nacional em processo penal e prova digital, que demonstra como o IP é o ponto de partida técnico para rastrear condutas no ciberespaço.
O IP como identidade digital
De forma simplificada, o IP (Internet Protocol) funciona como o “endereço digital” de cada dispositivo conectado à rede — o equivalente, no mundo físico, ao endereço de uma casa.
É ele quem permite que dados circulem e cheguem ao destino certo, identificando a origem das comunicações e viabilizando o rastreamento de quem as enviou.
O juiz dr. Alexandre Morais da Rosa explica que o IP é a base da Computação Forense no ambiente digital. Ele permite ao investigador mapear a “rota” que os dados percorreram, correlacionando logs e registros de acesso para individualizar um usuário específico.
Em termos práticos, quando alguém pratica um crime virtual — como caluniar, difamar ou extorquir pela internet —, o servidor do site ou aplicativo registra o IP utilizado no momento da ação. Com ordem judicial, o provedor de conexão pode informar quem estava usando aquele endereço naquele dia e hora, associando o ato ilícito a um terminal (computador, celular, roteador etc.) e, eventualmente, a uma pessoa.
IPv4, IPv6 e a “porta lógica”: os novos desafios da identificação
O Dr. Alexandre destaca que a evolução da internet trouxe um obstáculo técnico importante: o esgotamento dos endereços IPv4, que obrigou os provedores a adotar o sistema de compartilhamento de IPs (CGNAT). Isso significa que vários usuários podem usar o mesmo IP público ao mesmo tempo, como moradores de um mesmo prédio que compartilham um endereço comum.
Nesse contexto, o IP isolado não basta para identificar o autor de um crime. É necessário também conhecer a porta lógica de origem, que funciona como o “número do apartamento”. Assim, a tríade essencial para a individualização do usuário, Sem esses elementos, a prova perde força técnica e a atribuição de autoria se torna inviável — especialmente sob o regime do IPv4. O Superior Tribunal de Justiça (STJ) já consolidou esse entendimento e reconhecendo que a determinação judicial para fornecimento da porta lógica é um desdobramento lógico do pedido de identificação por IP.
O papel do Marco Civil da Internet
O Marco Civil da Internet (Lei nº 12.965/2014) estrutura o dever legal dos provedores de conexão e de aplicações em guardar e fornecer registros de acesso mediante ordem judicial. Esses registros constituem a espinha dorsal da investigação digital, pois permitem correlacionar o comportamento de um usuário ao seu terminal — sempre observando o princípio da proporcionalidade e da proteção de dados pessoais.
O juiz Alexandre enfatiza que a literacia digital — ou seja, a competência técnica para compreender e manejar corretamente esses elementos — é indispensável para juízes, advogados, promotores e peritos. Sem essa alfabetização tecnológica, o processo penal corre o risco de se tornar refém do desconhecimento técnico, comprometendo a legitimidade das provas.
Do prédio à casa própria: a transição para o IPv6
Com a chegada do IPv6, a internet ganha um novo cenário investigativo. Enquanto no modelo anterior (IPv4) vários usuários “moravam” sob um mesmo endereço público, no IPv6 cada dispositivo tem seu próprio endereço único e global uma espécie de “casa individual”. Isso permite uma atribuição muito mais direta e precisa de atos digitais, simplificando o trabalho pericial.
Entretanto, como lembra Alexandre Morais da Rosa, o IPv6 traz novos desafios: endereços temporários que mascaram a identidade do dispositivo e o aumento do tráfego criptografado (IPsec), que exige um olhar mais sofisticado do investigador. O perito precisa saber distinguir o que é estável (identificável) do que é temporário (anonimizável) dentro da lógica das conexões modernas.
o IP como “prova digital estruturante”
Na visão do Dr. Alexandre Morais da Rosa, compreender o IP é compreender a própria arquitetura da prova digital. O IP é o elo inicial entre o fato criminoso e o sujeito que o praticou — um ponto de partida que, combinado com metadados, logs e perícia técnica, pode compor um mosaico robusto de evidências.
Contudo, ele também alerta: o IP não é uma prova isolada de autoria, mas sim um indício técnico que precisa ser contextualizado com outros elementos (tempo, comportamento, dispositivos e conteúdo). A verdadeira perícia digital, segundo o magistrado, é aquela que alia precisão técnica, rigor jurídico e ética na manipulação dos dados.
Em um mundo online, onde o real e o digital se fundem, o desafio do Direito é entender que o IP é mais do que um número: é um marcador de presença, um traço técnico da conduta humana na rede. E, como bem afirma Alexandre Morais da Rosa, somente com competência digital e consciência ética será possível garantir uma justiça penal efetiva e legítima na era dos dados.
- Fonte: Como o IP serve para identificar um criminoso na internet https://www.conjur.com.br/2025-out-31/como-o-ip-serve-para-identificar-um-criminoso-na-internet/#:~:text=O%20exame%20do%20IP%20e,único%20para%20permitir%20sua%20identificação. ↩︎
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