Falsificação de Assinatura e Outorga Uxória: Limites da Nulidade dos Atos segundo o STJ

Por Silvana de Oliveira  Perita Judicial, Grafotécnica, Especialista em Provas Digitais e Investigação Forense

O presente artigo analisa o entendimento firmado pela Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça no julgamento do REsp nº 2.192.9351, segundo o qual a ausência de outorga uxória, ainda que decorrente de falsificação da assinatura do cônjuge, não altera a natureza jurídica do vício do ato, que permanece anulável, submetendo-se ao prazo decadencial de dois anos previsto no artigo 1.649 do Código Civil. Examina-se a finalidade da norma, a distinção entre nulidade e anulabilidade e os reflexos práticos da decisão para a segurança jurídica e para a atuação profissional nas áreas cível e pericial.

A exigência de outorga uxória ou marital constitui importante mecanismo de proteção do patrimônio comum do casal, limitando a atuação individual de cada cônjuge na prática de determinados atos jurídicos. No âmbito do direito civil brasileiro, especialmente no que se refere à oneração de bens imóveis, a autorização do outro cônjuge assume papel central como requisito de validade do negócio jurídico.

A controvérsia jurídica se intensifica quando a ausência dessa autorização decorre de falsificação da assinatura, situação que levanta questionamentos relevantes acerca da natureza do vício e da possibilidade de incidência de prazos decadenciais. Nesse contexto, o julgamento do Recurso Especial nº 2.192.935 pelo Superior Tribunal de Justiça apresenta-se como precedente significativo, ao reafirmar a natureza anulável do ato e a aplicação do prazo decadencial de dois anos, mesmo diante da alegada falsidade.

Contexto fático e processual do REsp nº 2.192.935

O caso analisado pelo STJ teve origem em ação declaratória de nulidade de ato jurídico ajuizada por mulher que alegava ter sua assinatura falsificada em escrituras públicas de composição e confissão de dívidas firmadas junto a instituição bancária. Tais atos culminaram na constituição de hipoteca sobre imóveis pertencentes ao casal, sem a existência, segundo a autora, de outorga uxória válida.

As instâncias ordinárias julgaram improcedente o pedido, reconhecendo a ocorrência da decadência, sob o fundamento de que o prazo de dois anos previsto no artigo 1.649 do Código Civil havia transcorrido sem que fosse ajuizada a ação anulatória. A autora sustentou, em sede de recurso especial, que a falsificação da assinatura afastaria a incidência da decadência, por inexistir manifestação de vontade válida, o que tornaria o ato absolutamente nulo.

A outorga uxória como requisito de validade do negócio jurídico

O relator do recurso, ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, ressaltou que, salvo exceções legais expressamente previstas, nenhum dos cônjuges pode, sem autorização do outro, onerar ou gravar de ônus real os bens imóveis integrantes do patrimônio comum. A outorga uxória, portanto, configura requisito essencial para a validade desses negócios jurídicos.

A ratio legis do dispositivo não se limita à proteção patrimonial. Busca-se também preservar a estabilidade da entidade familiar, evitando que um dos cônjuges, de forma unilateral, comprometa bens essenciais à subsistência do núcleo familiar, bem como impedir que litígios dessa natureza se perpetuem indefinidamente, com potencial de abalo à convivência conjugal.

Anulabilidade, e não nulidade: interpretação do artigo 1.649 do Código Civil

O ponto central da decisão reside na interpretação do artigo 1.649 do Código Civil, que dispõe expressamente que a falta de autorização do cônjuge, quando exigida, torna o ato anulável. Trata-se, portanto, de vício de menor gravidade, distinto das hipóteses de nulidade absoluta previstas no ordenamento jurídico.

Conforme destacado no voto condutor, a anulabilidade implica a necessidade de provocação da parte interessada dentro do prazo legalmente estabelecido. Caso não exercido o direito de ação no prazo decadencial de dois anos, contado do término da sociedade conjugal, extingue-se a pretensão de invalidação do ato, consolidando-se seus efeitos jurídicos.

A irrelevância da falsificação para a definição da natureza do vício

Um dos argumentos centrais da recorrente consistiu na alegação de que a falsificação da assinatura impediria qualquer manifestação de vontade, afastando a incidência da anulabilidade e da decadência. O STJ, contudo, afastou essa tese, assentando que a origem da ausência de outorga não modifica a natureza jurídica do vício.

Nesse sentido, o relator foi categórico ao afirmar que, “ainda que a ausência de outorga decorra de falsidade de assinatura, a consequência jurídica é a mesma, sujeitando-se o ato à anulabilidade e ao prazo decadencial de dois anos”. Assim, mesmo diante de fraude, o ordenamento opta por privilegiar a segurança jurídica e a estabilidade das relações negociais após o decurso do prazo legal.

Repercussões práticas e segurança jurídica

A decisão reforça a importância do instituto da decadência como instrumento de pacificação social, evitando que negócios jurídicos permaneçam indefinidamente sujeitos à desconstituição. Para a prática jurídica, o precedente alerta para a necessidade de atuação tempestiva do cônjuge que se considere prejudicado, sob pena de consolidação do ato.

Sob a perspectiva pericial, especialmente em casos envolvendo alegação de falsificação de assinatura, o julgado evidencia que a prova técnica, embora essencial para a demonstração do vício, não é suficiente, por si só, para afastar os efeitos do decurso do prazo decadencial.

O julgamento do REsp nº 2.192.935 consolida entendimento relevante no âmbito do direito civil brasileiro ao afirmar que a ausência de outorga uxória, ainda que decorrente de falsificação da assinatura do cônjuge, não transforma o ato jurídico em nulo, mantendo-se sua natureza anulável e a incidência do prazo decadencial previsto no artigo 1.649 do Código Civil.

A decisão equilibra a proteção da entidade familiar com os princípios da segurança jurídica e da estabilidade das relações negociais, reafirmando que o tempo exerce papel determinante na consolidação dos efeitos dos atos jurídicos. Trata-se de precedente de grande relevância para a doutrina, a jurisprudência e a atuação prática de advogados e peritos.

Leia o acórdão no REsp 2.192.935.

  1. Fonte: https://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias/2025/26122025-Falsificacao-de-assinatura-nao-muda-natureza-de-ato-sem-outorga-uxoria-nem-afasta-prazo-decadencial.aspx?utm_source=brevo&utm_campaign=Edio%20de%2026122025&utm_medium=email ↩︎

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