A decisão da 4ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (TRT-RS) de proibir um condomínio de exigir certidões de antecedentes criminais de trabalhadores reflete uma aplicação rigorosa dos princípios constitucionais e trabalhistas, especialmente no que tange à dignidade da pessoa humana e ao valor social do trabalho.
1. Violação de Direitos Fundamentais
A exigência de certidões criminais como requisito para ingresso de prestadores de serviço nas residências constitui uma barreira discriminatória e ilegal ao exercício profissional. Ao impor essa restrição, o condomínio assumiu um papel que compete exclusivamente ao Estado: a fiscalização e punição de eventuais infrações penais. Conforme ressaltado pelo juiz Luís Fernando da Costa Bressan, essa prática impõe uma espécie de “condenação preliminar e perpétua” aos trabalhadores, impedindo-os de exercer livremente suas funções.
Além disso, a decisão do condomínio desconsidera o princípio da presunção de inocência (artigo 5º, inciso LVII da Constituição Federal), o que reforça a ilegalidade da conduta. A discriminação contra trabalhadores de baixa renda, muitas vezes com menor acesso à educação, reforça desigualdades estruturais e promove exclusão social sob a justificativa de “proteção da propriedade privada”.
2. Competência do Condomínio e Limites Legais
Os condomínios, como entidades privadas, possuem autonomia para estabelecer regras internas, desde que não afrontem a Constituição e as leis vigentes. No entanto, a tentativa de condicionar o acesso de trabalhadores à apresentação de certidões criminais extrapola a competência do condomínio e viola direitos fundamentais. O entendimento do TRT-RS reafirma que a segurança dos condôminos não pode ser assegurada por meio de medidas arbitrárias e discriminatórias, mas sim por meios legítimos, como a contratação de serviços especializados e o respeito à legislação trabalhista e constitucional.
3. Danos Morais Coletivos e Precedente Importante
A condenação do condomínio ao pagamento de R$ 20 mil por danos morais coletivos ao Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) reforça a gravidade da conduta e serve como medida pedagógica para coibir práticas semelhantes. O reconhecimento de que a prática atinge não apenas os trabalhadores individuais, mas toda a coletividade, demonstra uma visão ampliada dos impactos da discriminação no mercado de trabalho.
O caso cria um precedente relevante para outros condomínios e empresas que possam cogitar práticas semelhantes. A tentativa do condomínio de insistir na exigência, mesmo após decisão judicial, evidencia a necessidade de penalizações rigorosas para evitar a perpetuação de condutas ilegais.
4. Segurança x Discriminação: O Equilíbrio Necessário
É compreensível que condomínios busquem medidas para garantir a segurança dos moradores, mas tais ações devem respeitar os limites legais e constitucionais. A exigência de antecedentes criminais como critério eliminatório é uma medida generalista e discriminatória, que não leva em conta a individualidade dos trabalhadores e desconsidera mecanismos mais eficazes e justos de controle de segurança, como a contratação de empresas especializadas em vigilância.
A decisão do TRT-RS reafirma a primazia dos direitos fundamentais estão previstos na Constituição Federal de 1988, especialmente no Título II – Dos Direitos e Garantias Fundamentais, que abrange os artigos 5º ao 17. Eles são divididos em diferentes categorias, conforme descrito abaixo: sobre práticas discriminatórias em ambientes privados. O caso reforça a necessidade de que condomínios e demais entes privados respeitem a legislação vigente ao estabelecer normas internas, garantindo que medidas de segurança não resultem em exclusão social e violação de direitos básicos. Além disso, a condenação por danos morais coletivos reforça o compromisso do Judiciário em combater desigualdades e assegurar um ambiente de trabalho justo e acessível a todos.
Condomínio que exigia certidões de antecedentes criminais para que prestadores de serviços ingressassem nas casas é condenado por danos morais coletivos
Resumo:
- Condomínio horizontal foi proibido de exigir certidões de antecedentes criminais de prestadores de serviços nas residências.
- Além da multa fixada em caso de descumprimento, a prática discriminatória gerou o dever de indenização por danos morais coletivos, de R$ 20 mil, a serem revertidos ao Fundo de Amparo ao Trabalhador.
- 4ª Turma reconheceu que a prática gera preconceito contra trabalhadores, via de regra, de baixa renda e de pouco acesso a estudo, impedindo o direito ao trabalho sob alegação de “proteção à propriedade privada”.
A 4ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (TRT-RS) proibiu que um condomínio do litoral norte do estado exigisse antecedentes criminais de trabalhadores que prestam serviços nas residências. Os magistrados foram unânimes ao confirmar a sentença do juiz Luís Fernando da Costa Bressan, do Posto da Justiça do Trabalho de Capão da Canoa.
Mantida a conduta discriminatória, há previsão de multa de R$ 20 mil por trabalhador atingido. Ainda foi fixado o pagamento de R$ 20 mil a título de danos morais coletivos, a serem revertidos ao Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT). O Ministério Público do Trabalho (MPT-RS) foi o autor da ação civil pública.
A partir de denúncia que gerou um inquérito civil, foi constatado que os condôminos aprovaram em assembleia que os prestadores de serviços deveriam apresentar certidões criminais emitidas pelas Justiças Estaduais e Federais para poderem acessar as casas.
Enquanto o MPT e o condomínio tentavam formalizar um termo de ajustamento de conduta (TAC), o condomínio ratificou a postura e ainda apresentou nova ata de assembleia com restrições mais severas impostas aos trabalhadores.
Frustrada a negociação, o MPT ajuizou a ação.
O condomínio alegou que a proibição representava “risco ao direito de livre disposição, fruição, uso e gozo da propriedade privada”. Sustentou que o julgamento procedente da ACP constituiria a legitimação da intervenção estatal na propriedade privada em forma diversa à legalmente prevista (desapropriação).
Em sentença, foi confirmada a tutela de urgência, com a determinação para que o condomínio, imediatamente, deixasse de utilizar banco de dados com informações sobre antecedentes criminais e se abstivesse de prestar, buscar ou exigir as informações como condição para o acesso ao local, sob pena de multa de R$ 20 mil, por trabalhador prejudicado, a cada descumprimento.
Para o juiz Luís Fernando, a decisão tomada em assembleia geral viola os princípios da dignidade da pessoa humana e do valor social do trabalho. Ele ressaltou que “o condomínio, na condição de pessoa jurídica de direito privado, não pode se imiscuir em poder que não lhe é afeto, haja vista que inflige aos trabalhadores persecução criminal que cabe tão somente ao Estado”.
“Ao decidir acerca das regras a serem cumpridas dentro de sua área não pode atentar contra a Constituição e legislação vigente. No caso, além de impedir o livre exercício ao trabalho, está a infligir aos trabalhadores que se enquadram dentre as hipóteses elencadas na assembleia geral acima descritas, condenação preliminar e perpétua, o que não se pode admitir”, afirmou o magistrado.
O condomínio recorreu ao TRT-RS, mas a sentença foi mantida. A relatora do acórdão, desembargadora Ana Luíza Heineck Kruse, considerou que a prática discriminatória deve ser severamente coibida, sob pena de perpetuar preconceito contra trabalhadores via de regra de baixa renda e de pouco acesso a estudo, impedindo o direito ao trabalho sob alegação de “proteção à propriedade privada” do condomínio.
“Não apenas a individualidade de cada empregado é atingida, mas toda a coletividade, que vê a perpetuação de descumprimentos de direitos humanos e trabalhistas basilares em desvirtuamento do que estabelece a legislação, causando insegurança jurídica e configurando ofensa ao patrimônio moral coletivo, o que justifica a indenização pleiteada”, concluiu a relatora.
A magistrada ainda chamou a atenção para a tentativa do condomínio de burlar a proibição determinada em sentença. Mesmo após o encerramento da instrução, houve um novo pedido para que o condomínio pudesse examinar certidões que seriam exigidas pelos próprios condôminos.
Também participaram do julgamento os desembargadores João Paulo Lucena e André Reverbel Fernandes. Cabe recurso ao Tribunal Superior do Trabalho (TST).
Fonte: https://www.trt4.jus.br/portais/trt4/modulos/noticias/50750783
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