Assinaturas Realizadas por Tablet e os Desafios Periciais, Cadeia de Custódia e a Nova Fronteira da Grafoscopia

Por Silvana de Oliveira  Perita Judicial, Grafotécnica, Especialista em Provas Digitais e Investigação Forense

A Perícia Grafotécnica em Assinaturas Digitais Manuscritas: Aspectos Técnicos, Cadeia de Custódia e Desafios na Era Digital

Com o avanço da transformação digital nas relações jurídicas, tornou-se comum o uso de assinaturas manuscritas em dispositivos eletrônicos como tablets e iPads. Tais assinaturas, ainda que visivelmente semelhantes às realizadas em papel, são representações digitais compostas por dados vetoriais, podendo ou não conter biometria comportamental. Neste contexto, a perícia grafotécnica enfrenta novos desafios técnicos e metodológicos, exigindo atualização do perito quanto à análise de metadados, biometria gráfica e verificação da cadeia de custódia digital. Este artigo propõe uma abordagem científica e aplicada da perícia em assinaturas digitais manuscritas, abordando as possibilidades de análise técnica, os cuidados probatórios e a adaptação da grafoscopia tradicional ao meio eletrônico.

A digitalização dos processos administrativos, contratuais e judiciais impulsionou o uso de tecnologias de autenticação de documentos. Entre elas, destaca-se a assinatura manuscrita digital, realizada por meio de dispositivos como tablets, iPads e smartphones, utilizando caneta stylus ou o próprio dedo do signatário. Embora se trate de uma manifestação gráfica de vontade, tal assinatura é capturada por interfaces eletrônicas, sem suporte físico, exigindo uma nova abordagem técnico-pericial. O presente estudo analisa os fundamentos, limitações e boas práticas da perícia grafotécnica aplicada às assinaturas digitais manuscritas, com especial ênfase na preservação da cadeia de custódia, análise gráfica e digital, e aspectos comportamentais envolvidos na produção da prova.

Natureza Técnica da Assinatura Digital Manuscrita

As assinaturas manuscritas digitais são gestos gráficos reproduzidos em superfícies sensíveis ao toque. A depender do software e dispositivo utilizados, o sistema pode captar apenas a imagem estática da assinatura (formato gráfico simples), ou dados comportamentais como pressão, velocidade, sequência de traços e tempo de execução, caracterizando a biometria gráfica comportamental.

Essas assinaturas se diferenciam das assinaturas digitais com certificado ICP-Brasil, pois são focadas na forma manuscrita da rubrica ou nome, e não necessariamente em criptografia ou certificação digital qualificada.

Elementos Técnicos Analisáveis

A perícia grafotécnica em meio digital pode analisar tanto aspectos gráficos tradicionais quanto dados comportamentais, conforme a disponibilidade do arquivo original:

  • Aspectos gráficos (estáticos):
  • Elementos digitais (dinâmicos):

A riqueza dos elementos disponíveis depende da forma como a assinatura foi coletada, do app utilizado e da integridade do arquivo original. Antes de qualquer análise, o perito precisa garantir que vai trabalhar com o documento na sua forma original, não com cópias ou imagens alteradas. Avalie como o documento chegou até você. Isso é crítico!

⚠️ Se houver quebra da cadeia de custódia, registre no laudo e descreva os impactos na confiabilidade da prova.

Extração e análise de metadados utilizando ferramentas forense

Análise gráfica (visual/morfológica)

Mesmo sendo digital, a assinatura preserva muitos aspectos da grafoscopia tradicional. O termo “assinatura morfológica visual” não é uma expressão técnica isolada ou autônoma na grafoscopia, mas sim uma forma de se referir à assinatura analisada sob o ponto de vista visual e morfológico.

✅ O que é “assinatura morfológica visual”?

É a assinatura examinada quanto à sua forma externa, aparência geral e características gráficas visíveis, sem o uso de dados dinâmicos (como velocidade do traço, pressão ou ordem dos movimentos). Essa análise foca apenas no que se pode observar com os olhos ou com recursos de ampliação. Mesmo sem acessar dados digitais (como num PDF assinado no tablet), já é possível fazer uma análise morfológica visual, identificando inconsistências que podem sugerir falsificação, decalque ou simulação.

A assinatura morfológica visual não prova por si só a autoria ou a falsidade — ela é uma etapa preliminar da análise grafotécnica. Para uma conclusão sólida, o perito deve, sempre que possível, confrontar com dados adicionais:

Análise comportamental (biometria gráfica)

Se o app utilizado captou dados dinâmicos, você poderá acessar:

  • Pressão real aplicada na caneta digital
  • Velocidade de execução
  • Tempo total da assinatura
  • Sequência de movimentos e pontos de pausa

Alguns apps (como DocuSign ou sistemas corporativos) armazenam logs detalhados que podem ser solicitados judicialmente ou pela parte contratante.

Coleta e análise de padrões gráficos (assinaturas indubitadas)

Assinaturas indubitadas são aquelas cuja autoria é certa, confirmada e inquestionável. Elas são usadas como padrão de comparação durante a perícia grafotécnica.

O que é a coleta de padrões gráficos?

É o processo de reunir assinaturas indubitadas para fins de comparação com a assinatura questionada.

Como se coleta:

  1. Fontes documentais: buscar documentos antigos assinados pela pessoa em questão.
  2. Diligência com ditado gráfico: pedir que o suposto signatário repita sua assinatura várias vezes, com variações de posição, pressão e contexto.
  3. Bases públicas e institucionais: registros da empresa, documentos administrativos, contratos anteriores.

O que é a análise dos padrões gráficos?

Após coletadas, essas assinaturas são analisadas técnica e comparativamente, buscando identificar constâncias gráficas, como:

Elemento analisadoObjetivo
Forma e estrutura das letrasVer se há uniformidade e estilo próprio.
Proporção e dimensãoComparar altura, largura e alinhamento.
Ritmo e fluidezIdentificar espontaneidade (ausência de hesitação).
Traços iniciais e finaisObservar como a assinatura começa e termina.
Inclinação e espaçamentoDetectar consistência ou variações significativas.

⚠️ Por que isso é importante?

Porque não se pode afirmar se uma assinatura é falsa ou verdadeira sem uma base de comparação segura. A análise de assinaturas indubitadas permite identificar características pessoais e únicas do gesto gráfico de alguém, funcionando como uma “impressão digital gráfica”.

Imagine um contrato digital assinado em um tablet. A perícia irá comparar essa assinatura com outras feitas anteriormente em diferentes contextos (papel, digital, cartório, etc.). Se houver semelhanças estruturais consistentes, é possível afirmar com segurança se a assinatura é autêntica ou não.

Conclusão técnica fundamentada

  • Descrever os elementos analisados (gráficos, digitais, metadados);
  • Avaliar se há compatibilidade ou não entre a assinatura questionada e os padrões;
  • Indicar eventuais limitações da análise (ex: ausência de dados dinâmicos, quebra de custódia);
  • Classificar a assinatura como:
    • Autêntica
    • Provavelmente autêntica
    • Não autêntica
    • Inconclusiva, quando não houver base técnica suficiente.

📌DICAS PRÁTICAS

  • Evite trabalhar com imagens de baixa resolução ou assinaturas impressas e escaneadas.
  • Sempre documente o caminho da prova — isso resguarda o perito e confere credibilidade ao laudo.
  • Em laudos judiciais, destaque a importância da cadeia de custódia digital e, se necessário, sugira diligências complementares (ex: busca de logs no sistema).

Cadeia de Custódia Digital como Garantia da Integridade Probatória

A cadeia de custódia digital é definida como o conjunto de procedimentos técnicos e documentais que assegura a autenticidade, integridade e rastreabilidade do arquivo analisado. Sua observância é indispensável para garantir o valor probatório da assinatura digital.

No âmbito da perícia grafotécnica, a cadeia de custódia deve envolver:

  • Preservação do arquivo original, sem impressão ou reenvios por aplicativos que modifiquem metadados;
  • Registro detalhado da forma de recebimento, identificação da origem e responsável;
  • Análise de hash ou assinatura digital do arquivo, se houver;
  • Identificação de dispositivo, IP, data e hora de criação do documento;
  • Relato técnico de eventuais quebras na cadeia de custódia, que impactem a confiabilidade do exame.

Perícias realizadas com base em arquivos modificados ou com metadados ausentes devem indicar, com clareza, as limitações técnicas e metodológicas decorrentes da falha na custódia.

Procedimentos Metodológicos Periciais

A análise técnico-pericial deve seguir etapas metodológicas estruturadas, incluindo:

  1. Solicitação e preservação do arquivo original da assinatura;
  2. Coleta de padrões gráficos indubitados (manuscritos e, se possível, digitais);
  3. Análise gráfica morfológica e comparativa, com vetorização e sobreposição dos traços;
  4. Extração e interpretação de metadados e dados comportamentais;
  5. Verificação da cadeia de custódia;
  6. Redação de parecer técnico fundamentado, com descrição detalhada dos achados e limitações.

Limitações Técnicas e Considerações Éticas

A análise técnica poderá ser restrita aos aspectos visuais, quando não houver coleta de dados dinâmicos. Nesses casos, a conclusão deve ser ponderada e proporcional à quantidade e qualidade dos elementos disponíveis.

É dever do perito grafotécnico registrar em laudo qualquer limitação que comprometa a solidez das conclusões, especialmente em cenários de arquivos impressos, reescanneados, comprimidos ou alterados. A perícia em assinaturas digitais manuscritas representa uma evolução da grafoscopia tradicional, exigindo dos profissionais atualização técnica constante, domínio de ferramentas de análise digital e rigor na verificação da cadeia de custódia.

Apesar das limitações em alguns casos, a análise técnica é viável e pode oferecer subsídios relevantes à Justiça, especialmente quando os arquivos forem preservados em sua integridade e acompanhados de dados dinâmicos confiáveis. O perito, por sua vez, deve atuar com transparência metodológica, prudência conclusiva e compromisso com a prova técnica.