Condomínio decreta toque de recolher do amor: silêncio no quarto após as 22h

Por Silvana de Oliveira  Perita Judicial, Grafotécnica, Especialista em Provas Digitais e Investigação Forense

Condomínio em São José proíbe relações sexuais após 22h: limites da convivência e da lei

Recentemente, um condomínio residencial de São José, na Grande Florianópolis, ganhou repercussão nacional após aprovar uma regra no mínimo polêmica: a proibição de relações sexuais após as 22 horas1. A medida, apelidada de “toque de recolher do amor”, surgiu como resposta a reclamações de moradores sobre ruídos noturnos — desde gemidos e batidas de cabeceira até conversas em voz alta que atrapalhavam o descanso alheio.

Segundo o regulamento, quem descumprir a norma poderá receber advertência por escrito e, em caso de reincidência, multa no valor de R$ 237. Há ainda a previsão de medidas mais drásticas, como a exposição de gravações em assembleias e até a instalação de sensores de ruído nos corredores.

O que diz a legislação condominial?

A Lei nº 4.591/1964, que regula os condomínios, e o Código Civil (art. 1.336, IV) determinam que os condôminos devem usar suas unidades de forma a não prejudicar o sossego, a salubridade e a segurança dos vizinhos. Assim, é legítimo que o condomínio estabeleça regras para coibir excessos de barulho.

Entretanto, há um ponto delicado: limitar a vida íntima dos moradores ultrapassa a esfera da convivência coletiva e invade a esfera da intimidade e da vida privada, protegida pelo artigo 5º, X, da Constituição Federal.

O condomínio pode agir contra ruídos excessivos, mas não pode regulamentar quando ou como seus moradores devem exercer sua vida sexual.

O problema do excesso e da exposição

A previsão de expor gravações em assembleia ou instalar sensores de ruído levanta sérias questões jurídicas.

  • Exposição vexatória: divulgar áudios ou registros de intimidade dos moradores pode configurar violação de privacidade e até gerar danos morais.
  • Prova ilícita: gravações obtidas sem consentimento podem ser consideradas ilegais em processos judiciais.
  • Excesso de poder: um regulamento condominial não pode criar normas que contrariem direitos constitucionais.

Convivência x intimidade: onde está o equilíbrio?

O caso ilustra um dilema comum em condomínios: o conflito entre o direito ao sossego e o direito à privacidade. Reclamar de barulhos excessivos é legítimo; impor censura sobre a vida íntima é desproporcional.

Uma solução mais razoável poderia envolver:

  • Aplicação das regras já previstas na lei e na convenção condominial para ruídos acima do permitido.
  • Mediação entre vizinhos, incentivando o diálogo.
  • Adoção de medidas técnicas, como reforço acústico nas unidades.

A regra do “toque de recolher do amor” pode até soar engraçada, mas abre um precedente perigoso: o de o condomínio extrapolar sua função regulatória e tentar controlar aspectos da vida íntima dos moradores. Se a convivência exige limites, esses limites devem respeitar a lei maior — e a Constituição assegura que a intimidade não pode ser invadida em nome da boa vizinhança. O caminho está no equilíbrio: punir o excesso de barulho, sim; regular a vida privada, jamais.

  1. Fonte: https://www.em.com.br/nacional/2025/09/7240418-condominio-proibe-sexo-apos-as-22h-por-reclamacoes-de-vizinhos.html#:~:text=No%20município%20de%20São%20José,relações%20sexuais%20após%20as%2022h. ↩︎