O Limite Legal da Vontade Coletiva na Destituição do Síndico e o Direito à Ampla Defesa

Por Silvana de Oliveira  Perita Judicial, Grafotécnica, Especialista em Provas Digitais e Investigação Forense

A figura do síndico é essencial na administração condominial. Ele atua como representante legal do condomínio, responsável pela execução das decisões da assembleia, pela gestão financeira e pela manutenção da ordem e segurança do edifício. No entanto, como em qualquer função de representação, o(a) síndico(a) pode ser destituído(a) quando perde a confiança dos condôminos ou quando há indícios de má gestão.

Contudo, o processo de destituição não é um ato puramente político ou emocional — ele deve observar os princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa, previstos no art. 5º, inciso LV, da Constituição Federal, e respeitar os procedimentos legais e convencionais estabelecidos na Lei nº 4.591/1964 (Lei de Condomínios1) e no Código Civil (art. 1.3492).

O artigo 1.349 do Código Civil dispõe que:

“A assembleia, especialmente convocada para esse fim, poderá, pelo voto da maioria absoluta de seus membros, destituir o síndico que praticar irregularidades, não prestar contas, ou não administrar convenientemente o condomínio.”

Dessa forma, a destituição exige:

  1. Convocação específica para esse fim (com pauta clara na convocação);
  2. Quórum qualificado (maioria absoluta dos condôminos);
  3. Fundamentação plausível, baseada em irregularidades, falta de transparência ou má gestão.

O Direito à Ampla Defesa e ao Contraditório

A destituição de um(a) síndico(a) possui natureza sancionatória e política, e por isso não pode ocorrer sem o devido processo de defesa.
Assim, é indispensável garantir:

  • Notificação prévia ao síndico sobre as acusações ou motivos da assembleia;
  • Acesso aos documentos e provas que fundamentam a proposta de destituição;
  • Direito de manifestação e resposta, inclusive durante a assembleia;
  • Registro formal em ata do exercício da defesa e da votação.

Negar ao síndico o direito de se defender, ainda que em assembleia, configura nulidade da deliberação, podendo gerar ação judicial de anulação de assembleia por violação aos princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa.

“A destituição do síndico, sem prévia comunicação e sem que lhe seja oportunizado o direito de defesa, afronta o devido processo legal e deve ser anulada.”

Essa proteção judicial evita abusos, como destituições motivadas por conflitos pessoais, divergências políticas internas ou decisões tomadas em reuniões mal convocadas.

Para garantir segurança jurídica e transparência, recomenda-se que o condomínio observe os seguintes passos:

  1. Convocação formal da assembleia, com pauta específica (“Deliberação sobre destituição do síndico”);
  2. Envio prévio de justificativas documentadas ao síndico;
  3. Garantia de manifestação do síndico na reunião (tempo de fala equitativo e registro em ata);
  4. Votação nominal e registrada, conforme quórum previsto em lei;
  5. Elaboração detalhada da ata, contendo as falas e a forma de defesa apresentada;
  6. Arquivamento e disponibilização dos documentos que sustentaram a decisão.

Esses cuidados não apenas protegem o direito do síndico, mas também preservam o condomínio de futuras contestações judiciais e questionamentos sobre a validade da assembleia.

A destituição de um(a) síndico(a) é medida legítima, mas deve observar os princípios da legalidade, da transparência e da ampla defesa. O condomínio é, em essência, uma microcomunidade regida por regras coletivas e democráticas, e a destituição de seu representante não pode ser conduzida de forma arbitrária.

Garantir o direito de defesa ao síndico não é mero formalismo — é respeitar o devido processo legal, proteger a segurança jurídica da coletividade e assegurar que as decisões condominiais sejam justas, válidas e legítimas.


“O Caso da Assembleia Silenciosa”


No Condomínio Residencial Jardim das Palmeiras, a síndica Dra. Helena Costa, advogada e moradora há mais de dez anos, sempre foi reconhecida pela sua postura firme e gestão organizada. Sob sua administração, o condomínio reduziu custos, regularizou dívidas antigas e implantou um sistema digital de controle de despesas.

Com o tempo, porém, sua postura mais técnica e exigente passou a incomodar alguns condôminos — especialmente o grupo que controlava o conselho fiscal anterior. Surgiram boatos sobre “autoritarismo” e “falta de transparência”, ainda que nenhuma irregularidade tivesse sido comprovada.

Em uma noite de sexta-feira, Helena recebeu um e-mail do subsíndico informando que haveria uma assembleia extraordinária no domingo, para “tratar de assuntos gerais”. Não havia menção a sua destituição na pauta.

A armadilha

No dia da reunião, para surpresa de Helena, um dos moradores tomou a palavra e anunciou que o “assunto geral” seria justamente a votação para sua destituição.
Atônita, ela pediu a palavra para se manifestar, mas foi interrompida.
“Não há necessidade de defesa, o condomínio já decidiu”, disse o subsíndico.

A votação ocorreu rapidamente. Metade dos presentes votou contra ela — muitos sem sequer compreender o motivo. A ata foi lavrada de forma genérica, sem mencionar o direito de defesa, nem os documentos que motivaram a decisão.

A contestação

Na segunda-feira seguinte, Helena, munida de assessoria jurídica, ingressou com uma ação de anulação de assembleia. Alegou violação aos princípios do contraditório e da ampla defesa (art. 5º, LV da Constituição Federa3l), além de infração direta ao art. 1.349 do Código Civil, que exige convocação específica para deliberação sobre destituição.

O juízo, ao analisar os autos, verificou que:

  • A convocação não trazia menção à destituição;
  • A síndica não teve acesso prévio aos documentos ou acusações;
  • A ata não registrava oportunidade de defesa;
  • O quórum não atingiu a maioria absoluta.

Com base nesses elementos, o magistrado anulou a assembleia e determinou o retorno de Helena ao cargo, reconhecendo que a reunião violou direitos fundamentais e o devido processo legal.

A reflexão

Após o episódio, o condomínio passou a adotar boas práticas de governança condominial:

  • As assembleias agora têm pautas objetivas e transparentes;
  • Todos os documentos ficam disponíveis aos condôminos antes das votações;
  • O regimento interno foi atualizado para garantir tempo de fala e defesa a qualquer gestor acusado.

Helena, em sua volta, resumiu o aprendizado numa frase que ficou registrada na ata seguinte:

“Democracia não é ausência de conflito, é a forma justa de resolvê-lo.”

Essa história fictícia reflete situações reais enfrentadas em condomínios de todo o país. A destituição de um síndico sem respeito ao contraditório e à ampla defesa não é apenas uma falha administrativa — é uma violação constitucional. Garantir a oportunidade de defesa é assegurar que a decisão da coletividade tenha legitimidade, transparência e validade jurídica.

  1. Lei nº 4.591/1964 (Lei de Condomínios) https://www.jusbrasil.com.br/legislacao/104078/lei-do-condominio-lei-4591-64 ↩︎
  2. Código Civil (art. 1.349) https://goo.su/XKIFr ↩︎
  3. art. 5º, LV da Constituição Federal https://www.jusbrasil.com.br/topicos/10728312/inciso-lv-do-artigo-5-da-constituicao-federal-de-1988 ↩︎