STJ Dá Freio nas ‘Varreduras Policiais’: Provas Anuladas por Violação de Domicílios

Por Silvana de Oliveira

Sexta Turma anula provas por ilegalidade em buscas coletivas realizadas pela polícia

A decisão da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), no Recurso Especial nº 2.090.901, representa um marco importante na reafirmação das garantias constitucionais, especialmente no que tange à inviolabilidade do domicílio (art. 5º, XI da Constituição Federal). O julgamento teve como base a nulidade de provas obtidas por meio de buscas domiciliares coletivas e indiscriminadas, sem autorização judicial específica para cada imóvel.

Contexto do Caso

Durante uma operação policial na Favela do Coruja (SP), agentes abordaram dois suspeitos e, após a detenção de um deles, que portava dinheiro supostamente oriundo do tráfico, ingressaram em diversas residências próximas sob a justificativa de estarem diante de crime permanente em situação de flagrante. Em uma dessas entradas, foram encontradas substâncias entorpecentes.

Fundamentação Jurídica

O STJ destacou que nem mesmo o Poder Judiciário está autorizado a emitir mandados de busca domiciliar coletivos, conforme o artigo 243, inciso I, do Código de Processo Penal, que exige a identificação precisa do local e do morador alvo da diligência. Isso porque tais mandados genéricos violam diretamente o direito à privacidade e à inviolabilidade do domicílio, garantidos constitucionalmente.

O relator, Ministro Rogerio Schietti Cruz, reforçou que a prática de buscas em série – sem individualização – constitui uma “fishing expedition”, ou seja, uma devassa exploratória, incompatível com o Estado Democrático de Direito. Ainda que o ingresso tenha sido feito sem mandado, a exceção ao princípio da inviolabilidade deve observar critérios rigorosos e não pode ser aplicada de forma extensiva e genérica.

Impacto da Decisão

A anulação das provas obtidas nessas circunstâncias tem dois efeitos principais:

  1. Proteção das garantias individuais: A decisão reafirma que a eficiência investigativa não pode se sobrepor ao respeito aos direitos fundamentais.
  2. Reflexos práticos nos processos penais: Qualquer prova obtida de forma ilícita (neste caso, a partir de uma entrada ilegal) é considerada inválida, contaminando as demais provas derivadas (teoria dos frutos da árvore envenenada), o que levou à absolvição dos réus por ausência de materialidade delitiva.

A jurisprudência do STJ reforça a necessidade de observância estrita ao devido processo legal e às garantias fundamentais nas operações policiais. Busca-se, com isso, evitar práticas arbitrárias, especialmente em comunidades vulneráveis, onde a atuação estatal deve ser ainda mais criteriosa para não incorrer em abusos. A decisão também serve como alerta para que as forças de segurança atuem com base em mandados devidamente individualizados, respeitando os limites legais da investigação criminal.


Sexta Turma anula provas por ilegalidade em buscas coletivas realizadas pela polícia

​A Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) deu provimento a um recurso especial e anulou provas obtidas pela polícia ao considerar ilícita a entrada indiscriminada de agentes em várias residências próximas ao local de uma abordagem. Para o colegiado, a prática configurou uma varredura ilegal em busca de drogas.

O colegiado apontou que, mesmo com ordem judicial, não é possível realizar buscas coletivas e indiscriminadas, pois o mandado de busca deve especificar expressamente o endereço da diligência, conforme o artigo 243, inciso I, do Código de Processo Penal (CPP).

De acordo com os autos, policiais patrulhavam a região conhecida como Favela do Coruja (SP) quando avistaram dois suspeitos. Ao notarem a presença dos agentes, ambos tentaram fugir, mas foram detidos. Durante a revista, um deles, que portava cerca de R$ 2 mil em espécie, teria confessado informalmente que o dinheiro era oriundo do tráfico. Com base nessa suposta confissão, os policiais ingressaram na viela e realizaram uma varredura nos barracos próximos. Durante a diligência, encontraram drogas dentro de um imóvel cuja porta estava apenas encostada.

O Tribunal de Justiça de São Paulo considerou válida a entrada dos policiais nas residências, ao fundamento de que a inviolabilidade de domicílio admite exceções, como nos casos de flagrante delito. Segundo o tribunal, por se tratar de crime permanente, o estado de flagrância se prolonga no tempo, dispensando mandado judicial ou autorização dos moradores.

Nem a uma autoridade judicial é permitido autorizar busca domiciliar coletiva

O ministro Rogerio Schietti Cruz, relator do recurso, ressaltou que o artigo 243, inciso I, do CPP exige que o mandado de busca domiciliar especifique, “o mais precisamente possível”, o imóvel onde a diligência será realizada e o nome do respectivo proprietário ou morador, e, no caso de busca pessoal, a norma exige a identificação nominal ou sinais que caracterizem a pessoa a ser revistada.

Para o magistrado, essa exigência impede a expedição de mandados coletivos de busca domiciliar, isto é, autorizações genéricas para ingressar em todas as residências de determinada área sem distinção. Ele enfatizou que, ainda que haja ordem judicial, buscas coletivas – ou “varreduras” em múltiplas residências de uma região – não são permitidas, pois o mandado deve indicar um endereço específico para cumprimento da diligência.

“Essa vedação a buscas domiciliares generalizadas e indiscriminadas – verdadeiras fishing expeditions –, decorrente do artigo 243, inciso I, do CPP, deve ser aplicada, também, à busca domiciliar não precedida de mandado, que não pode ser executada coletivamente. Afinal, se nem a uma autoridade judicial é permitido autorizar devassa domiciliar coletiva, com ainda mais razão é vedado que medida desse tipo seja diretamente executada pelo próprio policial, a saber, em caráter autoexecutório”, declarou.

Inviolabilidade de domicílio é direito fundamental na Constituição Federal

Schietti também destacou que essa restrição foi inserida no CPP ainda no Estado Novo, período em que se priorizava a eficiência processual em detrimento das garantias individuais. No entanto, de acordo com o ministro, em um regime democrático, essa limitação deve ser observada com ainda mais rigor, especialmente porque a inviolabilidade do domicílio é protegida como direito fundamental pela Constituição Federal (artigo 5º, inciso XI).

O ministro afirmou que, no caso concreto, embora a busca pessoal tenha sido considerada lícita devido à tentativa de fuga do suspeito, a entrada subsequente em todas as residências próximas ao local da abordagem foi ilegal, pois configurou uma varredura coletiva e indiscriminada. “Consequentemente, são ilícitas as provas derivadas dessa diligência. Como nenhuma droga havia sido apreendida na busca pessoal, impõe-se a absolvição por falta de prova da materialidade do delito”, concluiu.

Leia o acórdão no REsp 2.090.901.

Esta notícia refere-se ao(s) processo(s):REsp 2090901

Fonte: https://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias/2025/15042025-Sexta-Turma-anula-provas-por-ilegalidade-em-buscas-coletivas-realizadas-pela-policia.aspx?utm_source=brevo&utm_campaign=Edio%20de%2015042025&utm_medium=email