Área Comum Pode Virar Privativa? STJ Diz Que Sim, em Caso Inédito

Por Silvana de Oliveira – Perita Judicial, Grafotécnica, Especialista em Provas Digitais e Investigação Forense

Ocupação de Área Comum em Condomínio

Quando é Válida e Reconhecida pela Justiça?

A ocupação de áreas comuns em condomínios é um tema delicado e frequentemente motivo de conflito entre moradores. Afinal, essas áreas pertencem a todos e, por regra, seu uso exclusivo não é permitido a apenas um condômino. No entanto, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) trouxe uma importante decisão que reconhece, em casos específicos, a validade dessa ocupação — desde que observados certos critérios.

O Caso Julgado pelo STJ: Laje Transformada em Deck Particular

A 3ª Turma do STJ analisou um recurso de um condômino cujo apartamento dava acesso exclusivo a uma laje, espaço que ligava duas torres do condomínio. Em assembleia realizada em 2010, os moradores aprovaram, de forma excepcional e precária, que a limpeza e conservação dessa laje ficariam sob responsabilidade desse morador. Isso porque, para os funcionários do condomínio acessarem a área, precisariam passar por dentro do imóvel dele.

Com o tempo, a laje foi sendo modificada: foram instalados móveis, feito paisagismo e construído um deck1. Em 2021, uma nova assembleia autorizou a permanência dessas modificações e a instalação de um toldo. Somente após esse período — mais de uma década depois da primeira autorização — alguns condôminos se manifestaram contra, pedindo judicialmente que a laje voltasse a ser de uso comum.

A Decisão do STJ: O Princípio da Supressio

O que é supressio: É a perda do direito de exigir algo porque esse direito não foi exercido por um longo tempo, de forma que gerou uma expectativa legítima na outra parte de que ele não seria mais cobrado ou exercido.

A ministra Nancy Andrighi, relatora do caso, aplicou o princípio da supressio, que ocorre quando o exercício de um direito deixa de ser reivindicado por um longo período, gerando a perda da possibilidade de exigí-lo. A jurisprudência do STJ admite a aplicação da supressio no contexto condominial, desde que a ocupação da área comum tenha sido autorizada em assembleia.

A relatora destacou que, mesmo sendo uma área comum, a laje só era acessível pela unidade do condômino em questão e, por 12 anos, não houve oposição à sua ocupação. Assim, embora ele não se torne proprietário da área, os demais condôminos devem respeitar a situação consolidada pelo tempo.

Ocupação Sim, Ampliação Não

A decisão também trouxe um importante limite: a autorização para uso não implica autorização automática para modificações estruturais. Embora o uso do deck tenha sido consolidado, a instalação do toldo foi considerada inválida, pois gerou contestação sobre o quórum de aprovação da assembleia.

Ou seja, o uso contínuo e tolerado pode ser reconhecido, mas novas intervenções que alterem a fachada ou a estrutura do condomínio precisam cumprir rigorosamente os requisitos legais e regimentais, como o quórum qualificado.

O Que Essa Decisão Ensina?

  1. Assembleia é essencial – Toda ocupação de área comum deve ser aprovada em assembleia. Mesmo que precária, essa aprovação pode ter efeitos jurídicos duradouros.
  2. O tempo consolida situações – Quando há uso prolongado e sem oposição, a Justiça pode reconhecer essa ocupação como válida.
  3. Supressio não transfere propriedade – O direito de uso é mantido, mas a área continua sendo comum.
  4. Mudanças estruturais exigem cautela – Para instalar coberturas, construir ou alterar fachadas, é necessário observar o quórum e as regras do condomínio.

A decisão do STJ representa um equilíbrio entre o direito coletivo dos condôminos e a segurança jurídica daqueles que, por longo tempo e com autorização da assembleia, utilizam determinadas áreas comuns. O princípio da supressio se mostra como uma ferramenta importante para reconhecer situações consolidadas pelo tempo, desde que não tragam prejuízo aos demais.

Para síndicos, advogados e condôminos, essa decisão reforça a importância de registrar em ata todas as autorizações e manter a gestão condominial transparente e dentro dos limites legais. Afinal, o que começa como uma exceção temporária pode se tornar uma situação permanente — com respaldo judicial.

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REsp 2.187.886

Fonte:

  1. Ocupação de área comum de condomínio é válida se for aprovada por assembleia https://www.conjur.com.br/2025-jun-06/ocupacao-de-area-comum-de-condominio-e-valida-se-for-aprovada-por-assembleia/ ↩︎