A decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP), que considerou nula uma arbitragem devido ao fato de o presidente do tribunal arbitral ter ocultado vínculo com uma das partes, reforça a importância dos princípios da transparência, imparcialidade e independência nos processos arbitrais.
Contexto e Relevância da Decisão
A arbitragem é um mecanismo alternativo de resolução de disputas, que se destaca por sua flexibilidade, celeridade e confidencialidade. No entanto, sua legitimidade depende da confiança das partes na imparcialidade dos árbitros. O caso analisado pelo TJ-SP destaca a necessidade de que os árbitros revelem qualquer relação, direta ou indireta, com as partes envolvidas para evitar dúvidas sobre sua imparcialidade.
Princípios Fundamentais da Arbitragem
A decisão do TJ-SP se fundamenta nos seguintes princípios essenciais da arbitragem:
- Imparcialidade e Independência: A imparcialidade refere-se à ausência de favoritismo ou preconceito em relação a qualquer uma das partes, enquanto a independência diz respeito à ausência de qualquer interesse pessoal que possa influenciar o julgamento. A ocultação de vínculo com uma das partes compromete ambos os princípios e mina a confiança no processo arbitral.
- Dever de Divulgação: Os árbitros têm o dever de revelar qualquer circunstância que possa afetar sua imparcialidade ou independência. Isso inclui relações comerciais, profissionais ou pessoais com qualquer das partes ou com seus representantes. A não divulgação pode levar à nulidade do procedimento arbitral.
- Boa-Fé: A arbitragem é pautada pelo princípio da boa-fé, que exige que todas as partes, incluindo os árbitros, atuem de forma transparente e honesta. A omissão de informações relevantes é uma violação direta desse princípio.
Consequências da Decisão
A decisão do TJ-SP, ao anular a arbitragem, tem importantes repercussões:
- Precedente Jurisprudencial: Este caso reforça a necessidade de rigor na escolha dos árbitros e na observância dos princípios de transparência e imparcialidade. A decisão serve como um alerta para a prática de arbitragem no Brasil, evidenciando que o não cumprimento dos deveres de transparência pode resultar na invalidação do procedimento arbitral.
- Credibilidade do Processo Arbitral: A credibilidade da arbitragem, enquanto método alternativo de resolução de disputas, depende de sua integridade. Decisões como esta reforçam a confiança dos usuários no sistema arbitral, demonstrando que os tribunais estão dispostos a intervir quando há comprometimento dos princípios fundamentais.
- Impacto na Arbitragem Corporativa: Em contextos corporativos, onde a arbitragem é frequentemente utilizada para a resolução de conflitos complexos e de alto valor, a decisão destaca a importância de uma due diligence rigorosa na escolha dos árbitros e na gestão de potenciais conflitos de interesse.
A anulação de uma arbitragem por falta de divulgação de vínculos entre o presidente do tribunal arbitral e uma das partes envolvidas sublinha a necessidade de um compromisso constante com a transparência e a imparcialidade. Para que a arbitragem continue a ser vista como uma alternativa válida e confiável ao judiciário, é imprescindível que os árbitros cumpram rigorosamente os deveres de revelação e mantenham uma postura de absoluta neutralidade.
Esta decisão do TJ-SP atua como um reforço à integridade do processo arbitral no Brasil, enviando uma mensagem clara de que a imparcialidade e a transparência não são apenas desejáveis, mas essenciais para a validade e eficácia dos procedimentos arbitrais.
Arbitragem cujo presidente esconde vínculo com parte é nula, diz TJ-SP
A 2ª Câmara Reservada de Direito Empresarial do Tribunal de Justiça de São Paulo anulou, por unanimidade, uma sentença arbitral por falha no dever de revelação do árbitro-presidente do processo.
Na ação anulatória, a parte apelante afirma que apresentou documentos à corte arbitral que apontam vínculo do árbitro-presidente com uma das partes. Ele prestou serviços como parecerista para o escritório que representa a parte favorecida. Após negar resposta aos questionamentos e não admitir a conexão, o árbitro-presidente foi impugnado formalmente e renunciou ao cargo.
Os desembargadores do TJ-SP entenderam que a desconfiança da parte apelante era legítima, já que era preciso informar interesses comuns e contemporâneos entre o árbitro e os advogados da parte favorecida.
“De modo objetivo, sem o consentimento informado, em relação a interesses comuns e contemporâneos entre o árbitro-presidente e os advogados da contraparte, o ato de julgar, no procedimento arbitral, ficou comprometido, por conta da legítima desconfiança sobre a equidistância do árbitro-presidente, daí a motivação para o reconhecimento judicial da nulidade da segunda sentença arbitral”, resumiu o relator, desembargador Grava Brazil.
O relator frisou que o parágrafo primeiro do artigo 14 da Lei de Arbitragem (Lei nº 9.307) estabelece que os indicados para função de árbitro têm o dever de revelar, antes de aceitar a função e durante o processo arbitral, qualquer fato que denote dúvida justificada quanto à sua imparcialidade e independência.
Ele também afastou a alegação de que vínculo como parecerista entre o árbitro-presidente e o escritório de advocacia sequer poderia ser revelado, dado o sigilo profissional e a privacidade dos envolvidos.
A decisão recriminou o árbitro-presidente, que avocou para si o papel de decidir sozinho se ele próprio falhou com o dever de revelação e sobre o que é necessário ou não ser revelado. A notoriedade deste árbitro como parecerista não tem o condão de fazer com que o recorrente entenda de forma implícita que há interação entre ele e os advogados da contraparte, afirmou o relator, referindo-se ao arbitralista Nelson Nery.
“Enfim, para afastar a assimetria de informações, era imprescindível a revelação das interações profissionais, em especial o histórico e a intensidade delas, para permitir eventual consentimento informado”, explicou o relator.
Transparência máxima
O julgador citou voto do ministro Humberto Martins, do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do REsp 2.101.901, em que ele defende que deve ser exigido do árbitro “a maior transparência possível, de forma que todos os dados e circunstâncias sobre seu histórico profissional e social que podem, razoavelmente, gerar dúvida ou abalar a crença sobre sua imparcialidade e independência devem ser por ele revelados”.
O relator também analisou o aspecto temporal e o grau de intensidade da relação entre o árbitro e os advogados.
“Em outubro de 2019, deu-se o ingresso dos advogados atuantes na defesa da apelada, na arbitragem; dois meses antes disso e seis meses após, o árbitro-presidente teve interação profissional com esses advogados, prestando serviços como parecerista; ainda, em maio de 2022 (um mês após a sentença arbitral sub judice), o árbitro-presidente novamente prestou serviços de consultoria, com intermediação dos mesmos advogados”, registrou.
Os serviços, bem remunerados, foram prestados durante o procedimento arbitral e no cumprimento de sentença proferida naquela arbitragem. A decisão diz que o valor da remuneração recebida pelo árbitro pelos seus serviços como parecerista é irrelevante, mas que o fato não poderia ser omitido.
Em levantamento feito pelo Anuário da Justiça do Direito Empresarial — produzido pela equipe da revista eletrônica Consultor Jurídico — apurou-se que mais da metade das mil maiores empresas brasileiras deixaram de prever cláusula arbitral em seus contratos.
Criada com o objetivo de julgamentos mais céleres, menos dispendiosos e eficientes, a arbitragem no Brasil tornou-se mais famosa pelos casos de parcialidades que pelos seus resultados. O ideal do autor do projeto que se tornou a Lei 9.307/96, senador Marco Maciel, sucumbiu nesse aspecto.
Maciel idealizou a convocação de engenheiros, economistas, matemáticos, médicos ou mesmo advogados como julgadores nas suas respectivas áreas de conhecimento. O sistema, entretanto, foi capturado pelo chamado “clube dos arbitralistas” — que se revezam nos papéis de árbitros, pareceristas ou advogados, que se relacionam em inúmeras arbitragens.
No caso desta notícia, o advogado Marcos Hokumura Reis sustentou em favor da apelante.
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Processo 1093678-77.2022.8.26.0100
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